PALESTRANDO PARA PROFESSORES, MESTRES E DOUTORES NO IV CONGRESSO DE ENSINO RELIGIOSO - CURITIBA PARANÁ - 29 DE OUTUBRO DE 2007
Morche Ricardo Almeida[1]
RESUMO
Discutir cultura e religiosidade africanas em uma realidade cuja fé judaico-cristã e o eurocentrismo predominam torna-se um desafio, pois, desvelam-se novas perspectivas à compreensão de uma educação com outras dimensões. É possível identificar em sala de aula resistência à cultura e religiosidade afrodescendentes. Deve-se reconhecer que nem todos os povos possuem uma só religião, e que é preciso respeitar a diversidade religiosa e vivenciar a prática da tolerância. Os dados e conhecimento para a elaboração deste artigo decorrem de pesquisas teóricas bibliográficas, na web, recursos audiovisuais e debates em sala de aula. Observa-se que discentes e docentes podem descobrir um mundo novo, em outras perspectivas com a compreensão de fenômenos religiosos na sociedade, considerando que a influência cultural e religiosa africanas no Brasil fazem-se presente em inúmeras manifestações de seu povo.
Palavras-chave: Religiosidade africana – cultura – tolerância religiosa – mitos.
1. INTRODUÇÃO
Estudar a cultura e religiosidade africanas no Ensino Fundamental possibilita a aquisição de conhecimentos mais amplos e transforma a realidade histórico-cultural de povos ou grupos. Estabelece, assim, uma discussão entre os conceitos do colonizador e do colonizado, da ignorância proposital que se arrasta por séculos construída com fundamentos preconceituosos, racistas e discriminatórios. Esse preconceito, racismo e discriminação, quando presente em sala de aula nega a realidade do outro, a cultura do outro, a religião do outro. Há uma legislação brasileira recente, Lei 10.639/03, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática: História e Cultura Afro-brasileira.
Com pesquisas, leituras, diálogos, entre outras atividades pedagógicas pode-se buscar a formação do educando; enriquecer o seu aprendizado da história africana e brasileira no Ensino Fundamental; aprimorar a partir de novos conhecimentos adquiridos, entre eles, a respeito das religiões de matrizes africanas; descobrir linhas paralelas e/ou interligadas entre história das religiões africanas, cultura e heranças ou influências em outros povos ou grupos e perceber, assim, a importância desta cultura milenar na formação moral e ética do ser humano.
O educando ao entrar em contato com mitos de origem africana e a busca do respeito e tolerância religiosa, por exemplo, percebe que nem todos os povos possuem uma só religião. A influência cultural e religiosa africanas no Brasil fazem-se presentes em inúmeras manifestações de seu povo. Conhecer esta história e realidade auxilia os educandos a mudarem suas resistências à cultura e religiosidade afrodescendentes despertando nos educandos o desejo em respeitar a diversidade religiosa e cultural. Este conhecimento pode ser acessado em sala de aula por meio de pesquisas na web, leituras, recursos audiovisuais e debates, entre outras práticas pedagógicas, auxiliando os educandos a descobrirem um outro mundo, outras perspectivas e compreensão de fenômenos religiosos e sociais.
Oportunizar aos educandos no Ensino Fundamental, em refletirem de que forma foi construída a história das religiões no Brasil, ou seja, uma leitura que apresenta um povo colonizado por portugueses com forte influência católica; assim como uma visão das manifestações religiosas e culturais do povo africano, que chegou ao Brasil por meio da força do colonizador e de seus conceitos religiosos e culturais; mesma força a negar a religião e cultura dos escravizados contribui para desenvolver um olhar diferenciado sobre os fatos.
O educando, assim, poderá conhecer e debater mais um traço fundamental que integra e constitui um Brasil multicultural, pluriétnico e pluri-religioso.
2. COMPREENDENDO CULTURA E RELIGIÃO
Cada povo possui sua cultura, ela sintetiza suas concepções. Como ensina Marcello Ricardo Almeida (1999, p.98), “cultura é e sempre será uma espécie de amálgama, de sincretização. É a mistura de concepções diferentes, em diferentes épocas sintetizadas no mesmo gosto de um povo, nos mesmos hábitos traduzidos em festejos, gastronomia, jeito de ser e de viver”. Outro autor, Neto (1990) considera que a cultura pode ser compreendida como uma multiplicidade de códigos construídos, estruturados e em funcionamento na esfera social, a serviço e movido pela lógica das trocas (parentais, econômicas, simbólicas).
Em última instância, a cultura de um povo é a mistura de várias manifestações culturais de outros povos; esses mais, aqueles menos. A cultura é inerente ao povo de qualquer época e de qualquer lugar. É o que se cultua, é o passar de geração em geração. Os povos, de uma maneira ou de outra, desenvolveram sua cultura, preservaram ao seu modo a sua maneira de se alimentar, de se vestir, de se comunicar, de se comportar uns com os outros. Torquato (1991, p.03) lembra que “cada cultura é diferente de outra, mesmo que, eventualmente, se possa isolar componentes iguais a todas”.
Assim, como houve a necessidade de se ter uma cultura nasceu também igual vontade de se ter explicações ao que não se conhecia, ao que não se tinha explicação, ao que ainda estava obscuro. O ser humano em busca de respostas ao misterioso e ao inexplicável. A religião tem como pano de fundo o culto secreto a que só os iniciados podem compreender, e se firmam em dogmas a exemplo da fé (impenetrável à razão humana); neste caso, as ações misteriosas/inexplicáveis representadas nos rituais religiosos na tentativa mística de explicar à vida dos deuses na terra. Assim, nasceu à religião, como uma forma de buscar respostas para os questionamentos existenciais do ser humano; questionamentos: Quem sou? De onde vim? Para onde irei? Uma espécie de necessidade de religar o céu e a terra que, na concepção dos povos, porque se sentia estarem desligados o Criador e a criatura. E essas comunidades, e esses povos, dos mais primitivos aos mais contemporâneos, ligaram o que se julgava desligado ao que deram o nome de religião.
Toda cultura tem opiniões sobre o que é ter uma mente (ou coisa parecida) e sobre sua relação com o corpo; e quase todas as culturas dispõem de algum conceito que desempenhe alguns dos papéis dos conceitos de divindade. Mesmo que houvesse uma cultura humana em que não se fizesse presente nada parecido com qualquer desses conceitos, é difícil dar sentido à idéia de uma cultura que não tivesse nenhum conceito organizador crucial. (APPIAH, 1997, p. 129).
Apesar do propósito de religar o que se julgava, subjetivamente, desligado (Criador/criatura, céu/terra), as religiões também, ao serem criadas, foram meios de se organizar o povo ou grupo no contexto em que se vivia. A necessidade da religião tem origem na necessidade primária do próprio ser humano; nasce a religião das carências humanas. Onde duas ou mais pessoas estiverem reunidas em qualquer parte do planeta, na mais oculta floresta ou caverna, perdidas em uma ilha de um dos cinco oceanos, em alguma parte do espaço em uma nave sideral, haverá necessidade de cultura e religião, pois serão preservadas as tradições culturais e a fé religiosa aos crédulos.
Essas pessoas ao se reunirem terão necessidade de se comunicarem e em sua comunicação elas irão transmitir heranças culturais. Haverá troca de seus conhecimentos, daquilo que se aprendeu há muito tempo em um outro lugar e, ao mesmo tempo, farão perguntas, irão querer descobrir coisas, saber os por quês e nisso se confortarão quando a fé (como um dos símbolos da religião) lhes trouxer as explicações necessárias. Quando pensamos em cultura e religião estamos falando de uma dualidade complexa, pois a religião está tão ligada à cultura que é impossível falar de uma sem refletir sobre a outra.
2.1 CULTURA E RELIGIOSIDADE AFRICANAS E AFRODESCENDENTES
A diáspora africana significou a vinda de milhares de africanos para a América onde foram vendidos como mercadoria sem respeito nenhum aos seus direitos. Desconheceu-se assim o termo humanidade e desrespeitou-se o direito de ser livre, oportunizando um ser subjugar ao outro através de idéias de inferioridade, apenas para garantir a produção de riquezas. Sair de sua terra por livre e espontânea vontade já não é uma das melhores atitudes do ser humano. Ser seqüestrado sem direito ao resgate é um fato que não existe justificativa. Os povos africanos que durante quatrocentos anos foram mercadoria nas mãos dos europeus em sua ganância por riquezas perderam o direito de construir em sua terra natal sua história. Há uma espécie de o bem versus o mal, quando o assunto órbita entre as manifestações religiosas do colonizador e as manifestações religiosas do colonizado. Chega-se a caluniar a fé de herança africana às suas práticas de caráter maligno diluídos em suas manifestações religiosas.
Um dos preconceitos mais comuns quanto aos africanos e aos afro-descendentes é com relação às suas práticas religiosas e a um suposto caráter maligno contido nelas. Esse tipo de afirmação não resiste ao confronto com nenhum dado mais consistente de pesquisa sobre as religiões africanas e a maioria das religiões afro-brasileiras. Nelas, todas as divindades são ambivalentes, não se simplificam na dicotomia bem x mal. (BRANDÃO, 2006, p. 29).
O Brasil é um país que foi construído a partir da junção de vários povos com culturas e religiões distintas. Ao chegar à América os europeus encontraram povos que, apesar de estarem formados por grupos diferentes, tinham em sua tradição religiosa a crença nas coisas da natureza. Os colonizadores europeus ao chegarem ao Brasil encontraram os nativos do novo continente o qual denominaram de índios e, mais tarde, trouxeram africanos. Embora os primeiros povos pré-colombianos estivessem distantes da fé católica européia, por exemplo, arqueólogos descobriram que o cadáver de nativos (índios) em muitas tribos era sepultado em vasos de cerâmica com objetos pessoais do morto, simbolizando uma crença pós-morte, ou seja, eles acreditavam, como os católicos europeus, ambos com religiosidade diferentes, numa vida após a morte. Curiosas são as culturas e as religiões dos diversos povos. Vejamos, por exemplo, a cultura e religião africanas. Cada qual com sua própria responsabilidade; em lugar de fé ou de culpas ou de pecados; fala-se em cada um com a sua responsabilidade; enquanto a culpa, a fé e os pecados são típicos de outras religiões. A religião africana se integra à natureza, como a religiosidade dos nativos pré-colombianos em geral. Ainda na religiosidade africana, desconsidera-se a idade cronológica para considerar o tempo iniciático à casa da família-de-santo; os mais antigos são reverenciados pelos mais novos. Mantêm a cultura religiosa para restituírem o que receberam dos antecessores; é a obrigação de dar o que recebeu. Cada nação indígena, por sua vez, exercita seu culto e rituais representados nas forças da natureza e em espíritos de antepassados. Os mitos são freqüentemente misturados à fé religiosa. A religião está muito ligada à mitologia.
Cultura e religião estão associadas às criações mitológicas. Os mitos, presentes em todos os povos da Terra, estão férteis de informações e respostas às várias perguntas que se faziam os povos primitivos. Da mitologia nasceram os deuses, as bênçãos e os castigos, as graças e muitas outras tradições adotadas na religiosidade dos povos. Quem vive, quem morre, quem se salva, quem não se salva, quem fica, quem vai, os por quês, os mistérios – para cada um destes itens o conhecimento mítico tinha sua explicação. A mitologia que antecede a filosofia e à ciência, foi à base de todo cultura e religiosidade.
Há várias formas de religião e de cultura, e são variadas as maneiras dos estudiosos em classificá-las. Características comuns, entretanto, surgem em maior ou menor destaque em praticamente todas as religiões e todas as culturas do mundo. Independente da linha filosófica a qual se norteia à religião, a idéia principal das mesmas é a construção da harmonia entre os seres. Os africanos e homens pré-colombianos acreditam que esta harmonia não é apenas entre os seres humanos, mas tudo que faz parte do seu meio, as coisas do céu e da terra. Na relação entre as religiões tradicionais ou primitivas com a religião Católica Apostólica e Romana trazida pelos europeus perderam os africanos e os ameríndios. Os descendentes desta união de povos passou a ver as religiões de seus antepassados como errada.
Num mundo de grandes desigualdades, nem sempre é fácil lidar com a diferença. Ela está em toda parte. Por vezes, é mais simples percebê-la quando a questão envolve apenas dois times de futebol, duas religiões, dois partidos políticos, duas formas de agir. Na abordagem de temas mais complexos, ou simplesmente se a proposta exige um exercício crítico rigoroso, podemos dizer que, mesmo entre os mais semelhantes, habitam numerosas diferenças – afinal, cada ser humano é único no conjunto de suas características. (BRANDÃO, 2006, p. 11).
Tanto a tolerância cultural quanto a tolerância religiosa encontram a resistência dos povos dominadores. Cada qual deseja que sua cultura ou sua religião esteja acima da cultura e da religião do outro. O dominado sempre se obriga a aceitar a cultura e a religião do dominador. Mesmo quando o dominado mascara sua cultura e sua religião à cultura e a religião do dominador, a exemplo da fé africana, onde os santos católicos são vistos como orixás, e um caso desses, onde São Jorge, santo católico, é substituído por Ogum, orixá africano. Nesse caldo de religiões e de cultura formado no mundo, embora com uma ligação ancestral – as mitologias – explodiram em várias partes intolerâncias culturais e religiosas.
No Brasil a construção das relações culturais ocorreu a partir do encontro de três povos distintos, o americano, o europeu e o africano. Desta união formou-se uma diversidade cultural e religiosa perceptível, porém ainda predomina, mesmo depois de quinhentos anos o poder daquele que trouxe a pólvora e as correntes.
As religiões em todos os continentes, segundo a literatura, apresentam conflitos. Mas, as religiões foram criadas para unirem as pessoas. Infelizmente, não é esta a história das religiões. Pois, na história das religiões, há mais histórias de guerras, de intolerâncias, de fratricídios do que história de amor, do que história de fraternidade, do que história de tolerância. Muitos conflitos mundiais se deram e se dão tendo por argumentos de que uma religião é melhor do que a outra, além de outros argumentos de que, por exemplo, uma divindade é maior do que outra, e de que a salvação e a vida eterna alcançarão apenas alguns escolhidos uma vez que todos os outros não serão escolhidos para ter salvação e vida eterna. Haja vista, via de regra, as religiões pregam a salvação e a vida após morte.
De acordo com a literatura, está sendo escrita a história das religiões apoiadas em cima de acusações, de quem é melhor do que quem, de quem é superior, de quem possui mais poder, de quem é mais verdadeiro, mais autêntico, mais bonito e melhor. Neste caudal se formaram, se propagaram e se propagam as religiões. As religiões nas Américas, na Ásia, na Austrália (por conseguinte, a Oceania), na Europa e na África. Se a África é o berço da raça humana, pois o primeiro ser humano foi um africano, segundo a história da antropologia, também na África surgiu, com os homens e as mulheres, a sua primeira cultura e a sua primeira religião. Se a mais remota história do nascimento da primeira célula está no continente africano, no continente africano também foram desenvolvidas as mais diferentes culturas e as mais distintas manifestações religiosas. As religiões africanas, a exemplo das religiões de outros continentes, criaram símbolos, rituais, divindades, cantos de louvores para celebrações religiosas. Estes cantos de louvores para celebrações religiosas, esses símbolos, divindades e rituais também estão presentes, a seu modo, nas religiões cristãs, muçulmana, judaica, budista, hinduísmo etc. Porque, na essência, todas as religiões tem o mesmo propósito: religar o que se sente está desligado (religare, do latim, o significado de religião). Mudam-se as pessoas, os rostos, as manifestações, os nomes das divindades, porém, busca-se o mesmo propósito. Uma observação, no mínimo, curiosa, é o fato de que ao cristianismo, Cristo, aos hinduístas, Krishna (Embora, Cristo, do grego e, por sua vez, do sânscrito, Krishna); sinaliza com isto a interligação entre as religiões.
Retomando a história da cultura e religiosidade africanas. Esta cultura e esta religiosidade tanto africanas quanto herdadas do continente-matriz dos primeiros seres humanos, das primeiras culturas, das primeiras manifestações religiosas no planeta, é um dos mais fortes patrimônios brasileiros. A vida se construíra, desde as comunidades primitivas, sobre os pilares culturais e religiosos. Não há como negar esta cultura e esta religiosidade presentes no Brasil e em suas manifestações culturais e religiosas. Afinal, nosso País está sendo construído há mais de 500 anos dos quais vários séculos têm efetiva participação dos povos que se originaram dos primeiros seres humanos a habitarem o planeta Terra. Não há como ignorar esta história tão presente nos hábitos, nas músicas, nas comidas, nas crenças, nos trajes, e em outras expressões ditas genuinamente brasileiras.
Ensinar que a diferença pode ser bela, que a diversidade é enriquecedora e não é sinônimo de desigualdade, é um dos passos para a reconstrução da auto-estima, do autoconceito, da cidadania e da abertura para o acolhimento dos valores das diversas culturas presentes na sociedade. (MUNANGA, 2005, p.31).
Não há como banalizar a forte presença da cultura e religiosidade de heranças africanas no Brasil. Sabemos todos que a cultura de origem africana é amplamente praticada no Brasil há séculos. Cultuam-se religiões de origem africana no Brasil desde o século XVI. De forma histórica, a título de ilustração, os povos da África trazidos ao Brasil tiveram que se aculturar e a sua religiosidade fora secularmente praticada no maior País católico do mundo com a dificuldade da não-aceitação; os rituais religiosos de origem africanas se valiam dos santos da igreja católica. Atualmente, por fim, a realidade é outra; haja vista haver assegurado na Constituição Federal a liberdade de credo, o que não havia em séculos passados. Hoje, tanto a cultura quanto a religiosidade africanas são livremente praticadas no Brasil. Nas salas de aula, porém, ainda resiste à aceitação das diversidades culturais e religiosas, mesmo em um Brasil multicultural e multi-religioso. Uma vez que a maioria de discentes e docentes professam o cristianismo, forte motivo de resistir ao conjunto de manifestações culturais e diversas crenças religiosas oferecidas.
A hegemonia teórica que privilegia apenas o conteúdo eurocêntrico nas escolas brasileiras tem alijado negros e brancos de um conhecimento sócio-histórico, presente na cultura brasileira, pertencente a outros grupos étnicos-raciais, dificultando uma consciência reflexiva e emancipatória da nossa população. É pre-ciso criar novos espaços e eleger atores sociais para um conhecimento educacional diferenciado. (EDUCAÇÃO AFRICANIDADES BRASIL, 2006, p. 141).
Os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN´s em seu volume 10 (BRASIL, 1998) abordam acerca da constituição da pluralidade cultural no Brasil e situação atual. Apresentam, como sugestão de trabalho, a diversidade religiosa e cultural ampla. Esta, por sua vez, fora trazida pelos imigrantes, embora também encontrada na América. Apresenta ainda que essa diversidade religiosa nem sempre foi bem recebida pelo sistema dominante, em razão do nacionalismo exacerbado e a aculturação imposta.
Poder-se-ia falar sobre as histórias das diversas religiões que devem ser conhecidas pelos docentes em seu período escolar. Mas, a proposta deste artigo é alertar sobre a necessidade de garantir o conhecimento das histórias das religiões – religiões estas conhecidas como tradicionais; em especial, as derivadas das matrizes africanas.
A escola deve estar aberta para receber e conceber as diversas religiões que são professadas não tão-somente por educandos, mas também por docentes. No dia-a-dia, entretanto, não é esta a realidade em que se vive. Comemora-se a Páscoa, dia de Nossa Senhora Aparecida, São João, Natal, dentre outras manifestações religiosas, todas voltadas ao cristianismo e, em especial, ao catolicismo. Na elaboração dos conteúdos e nos PPP`s registra-se que são todos iguais e com os mesmo direitos; mas, na prática, isto não ocorre.
Falar em Candomblé, em Umbanda, em Xangô, em Xambá, em Batuque e tantas outras manifestações religiosas preservadas no Brasil em sala de aula é terreno perigoso. Ao menos em algumas unidades escolares. A imagem que docentes e educandos em grande maioria tem de um terreiro ou de uma casa-de-santo é a imagem de um espaço proibido. O melhor é não falar sobre o assunto. Muitos não conhecem nada sobre a história e os valores destas religiões e preferem trabalhar a questão moral e ética a mostrar aos seus alunos a grande diversidade religiosa existente na sociedade brasileira. Talvez, esta seja a forma de manter na memória da sociedade a construção construída durante séculos contra o afro-descendente e sua história.
Com maestria, com manifestação de sapiência e intelectualismo, cita-se sobre a mitologia grega e romana, até algumas pinceladas se dá em torno da egípcia. A mitologia da África negra, porém, não se conhece e não se discute em nenhum momento. É como se, na realidade, não existisse. Parece até que a história do Brasil não está construída na cultura e religião africanas – história de homens e mulheres que deixaram sua terra natal contra a sua vontade, trazidos ao Brasil em navios negreiros de comerciantes de gente, em navios negreiros de seqüestradores, conforme cantou o maior poeta brasileiro, Castro Alves, em Tragédia no Mar.
2.3 TRAMA DE SABERES: CULTURA E RELIGIOSIDADE AFRODESCENDENTE NAS AULAS DE ENSINO RELIGIOSO
A proposta em trabalhar o conhecimento das histórias das religiões de matriz africana surgiu devido à execução do Projeto África na Escola Básica Municipal Machado de Assis em Blumenau. Foi apresentado aos educandos do último ano no Ensino Fundamental, que já estavam vivenciando nas outras disciplinas a história e cultura da África e afrodescendentes. O primeiro contato dos educandos com o tema foi por meio do texto Religião Tradicional Africana, onde tiveram o momento de discutir o porquê da denominação “religiões tradicionais” aproveitando a Lei 10.639/03, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-brasileira”.
Durante a execução das atividades os educandos tiveram a oportunidade de entender que o continente africano, além de suas religiões tradicionais, destaca-se o islamismo, o cristianismo e o hinduísmo sendo abordada a religião tradicional dos africanos negros; além de incluir os ritos e elementos que fazem parte das religiões africanas. Procurou-se entender por que é tão difícil para nossa mentalidade compreender as religiões tradicionais. A partir daí, fez-se um paralelo entre a religião dos africanos e a religião dos nativos da América.
Depois de concluída as etapas iniciais, desenvolvidas com base no texto “Religião tradicional africana”, prosseguiram-se os estudos, agora, com o auxílio de retroprojetor e transparência. Foi abordado, para situar o educando no contexto da história do Brasil, a respeito da miscigenação étnico-cultural e religiosa brasileira, os grupos de linhagem, diversidade religiosa em virtude dos vários povos que formaram a população brasileira. Debateu-se sobre a tolerância religiosa e a importância de mitos e rituais para as religiões.
Na sala de informática, os educandos pesquisaram na Internet o panteão do Candomblé e suas relações com os santos católicos. Em seguida, elaboraram murais com gravuras relativas a suas pesquisas. Em sala, discutiram-se as diferentes concepções acerca de religiosidade. A partir dos debates em sala, buscou-se compreender o sincretismo religioso observado no Brasil.
Nesta etapa final, os educandos assistiram aos vídeos, que tratavam da mitologia religiosa africana: A espada justa de Ogum; A ponte entre o Orum e o Aiyê; A porção humana dos orixás; No tabuleiro de Iansã; O sopro sagrado de Olorum; Omolu dança só; Ossaim, o malabarista das folhas e, durante os debates, concluíram que a mitologia africana nada deve à grega, romana, hebraica, chinesa, indiana, dentre outras. Na conclusão do trabalho percebeu-se, através do que se foi proposto e produzido, que o educando conseguira ser capaz de questionar, criar, interpretar o mundo, conviver com as transformações, de entender o outro, o mundo e a si mesmo.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estudar em Ensino Religioso a diversidade das religiões brasileiras e suas afinidades com o berço em terras africanas possibilita romper com o preconceito, a discriminação e o racismo no que se refere à cultura e religião dos afrodescendentes. Vencendo este esteriótipo, podem-se vivenciar outras possibilidades em sala de aula e, por conseguinte, na sociedade. Foi o que se propôs este trabalho com educandos do Ensino Fundamental: valorizar a presença da cultura afro-brasileira em seu cotidiano e refletir sobre o espaço ocupado pelas religiões no contexto de insurgência da identidade afro-descendente no Brasil.
Com este modelo de busca do conhecimento os educandos descobriram que a história da religião e cultura africana é tão rica quanto a história da religião e cultura de outros continentes. Aprenderam a respeitar o modo de ser e de viver de cada grupo religioso, independente de cor, de raça, de grupo étnico.
Assim, os educandos conheceram a história dos orixás, entenderam a necessidade dos negros africanos em substituir as suas divindades por santos católicos e, apesar disto, preservar a sua religiosidade; mesmo sofrendo mazelas para que apagassem suas tradições culturais e religiosas e adotassem as tradições culturais e religiosas dos colonizadores. A propósito da Lei 10.639/03, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-brasileira”, docentes e discentes têm a possibilidade de aproximarem as histórias culturais e religiosas da África e do Brasil. Resgata-se, deste modo, o valor do ser humano independente de origem étnica, cultural ou religiosa.
REFERÊNCIAS
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[1] Licenciado em História – FURB; Pós-graduado em Pedagogia Gestora com ênfase em Administração, Supervisão e Orientação – ALPEX; morchericardo@gmail.com