terça-feira, outubro 03, 2006

SENZALA / FAVELA


A liberdade da escravidão foi registrada oficialmente no final do século XIX, porém entre registrar em documento e assumir a responsabilidade de transformar as condições de vida da população negra brasileira existe um fosso muito profundo. Os descendentes e os arrebatados do continente africano que aqui foram submetidos ao domínio e exploração do branco europeu construíram também o desenvolvimento cultural e econômico do Brasil.
A suposta liberdade do açoite da senzala trouxe benefícios à sociedade branca que naquele momento histórico necessitava de espaço para trabalhar, pois existia a proposta de branqueamento da população brasileira e para isto chegava aos portos brasileiros migrantes europeus as centenas. Estes povos que estavam chegando necessitavam de trabalho e os escravos eram empecilhos aos objetivos dos grupos dominantes. Não só por causa da proposta de branqueamento, mas também devido as dificuldades encontradas em sua terra natal, os europeus dirigiram-se à América.

A abolição da escravatura no Brasil não livrou os ex-escravos e/ou afro-brasileiros (que já eram livres antes mesmo da abolição em 13 de maio de 1888) da discriminação racial e das conseqüências nefastas desta, com a exclusão social e a miséria. A discriminação racial que estava subsumida na escravidão emerge, após a abolição, transpondo-se ao primeiro plano de opressão contra os negros. Mais do que isso, ela passou a ser um dos determinantes do destino social, econômico, político e cultural dos afro-brasileiros (HASENBALG, 1979; SANTOS, 1977).

Várias foram as conseqüências do 13 de maio. Entre elas o abandono intelectual e econômico do recém-liberto escravo brasileiro. O surgimento das favelas de certa forma está ligado a este desrespeito das autoridades em relação aos que contribuíram, ativamente, com o progresso do País.
A miséria encontrada nas favelas ocorre devido inexistência de políticas públicas que busquem resolver as questões relacionadas à educação, à saúde, ao trabalho, ao saneamento básico para estes espaços humanos. A mesma preocupação que as classes dominantes tinham no passado com a senzala, apresenta hoje com a favela. Sendo assim, conclui-se que as frases “livres do açoite da senzala”, “preso na miséria da favela”, do samba-enredo do GRES Mangueira é fiel a realidade dos fatos.

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HASENBALG, Carlos A. Discriminação e Desigualdades Raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
SANTOS, Sales Augusto dos. A Formação do Mercado de trabalho Livre em São Paulo: Tensões Raciais e Marginalização Social. Brasília: UnB/Departamento de Sociologia, Dissertação de Mestrado, março de 1977.

domingo, outubro 01, 2006

REDENÇÃO DE CAM


Professor Morche Ricardo Almeida
Pós-graduado em Pedagogia Gestora



Para o leigo em arte e história o quadro “Redenção de Cam”, (1895) de Modesto Broccos, representa apenas mais um trabalho artístico. A leitura sugere uma família à porta de sua residência recebendo a visita de uma senhora que abençoa a criança no colo de sua mãe, enquanto o pai observa.
A intenção do pintor Modesto Broccos ao pintar uma família, foi, segundo estudos e registros, mostrar a possibilidade do branqueamento do povo brasileiro. Para tanto utilizou-se de símbolo religioso em seu trabalho. O título da obra refere-se à passagem bíblica onde o patriarca Noé amaldiçoa seu filho Cam.

A narração da Escritura prossegue dando o elenco das gerações de Cam, Sem e Jafé. “Camitas” seriam os povos escuros da Etiópia, da Arábia do Sul, da Núbia, da Tripolitânia, da Somália (na verdade, os africanos do Velho Testamento) e algumas tribos que habitavam a Palestina antes que os hebreus as conquistassem. (Bosi, 1996: p. 257-258).

Membros da Igreja Católica com apoio da burguesia européia aproveitaram tal relato para justificar a escravidão do negro africano.
Redenção, o mesmo que salvação. Logo “Redenção de Cam”, a salvação dos descendentes de Cam, segundo os europeus, seria tornar-se escravos na América servindo ao bel-prazer e a ganância financeira de grupos inescrupulosos.
Mais tarde, ao perceberem que os africanos, trazidos à força para a América, poderiam ser uma ameaça a hegemonia branca, tentam, através da miscigenação, mudar o que não pode ser mudado.
O autor do quadro, iluminado em sua inteligência, representou o que seria essa mudança genética. A senhora negra, a África original. O senhor branco, a Europa original. A jovem entre ambos é o resultado da mistura dos dois continentes África e Europa. Uma jovem América, mulata. A criança é o desejo do europeu dominador, machista, preconceituoso, soberbo. A criança é aquele que é sem nunca ter sido, um branco com raiz negra. A pele é branca como a pele da Europa, porém em suas veias e em sua história existe a África escondida e negada.


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BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Cia das Letras, 1996. p. 257-258.