As noites de festa em
Santana do Ipanema tinham cheiro de pólvora e promessa. Antes mesmo do primeiro
foguete riscar o céu, já havia um silêncio diferente no ar, como se a cidade
inteira prendesse a respiração. As famílias saíam de casa devagar, crianças de
mãos dadas com os pais, olhos arregalados de expectativa. Era assim no Natal,
na virada do ano, em São João — quando os fogos pareciam mais ousados —, em São
Pedro, São Cristóvão e, sobretudo, nas festas de Senhora Santana, quando o céu
se tornava altar.
Para as crianças, o encanto começava no assobio. Aquele
som fino, subindo rápido, puxando o olhar para cima, anunciava o instante
mágico da explosão. O foguete, engenhoca simples de bambu e fogo, parecia vivo:
nascia na mão do fogueteiro, ganhava impulso, sumia na altura e, depois de um
breve suspense, se abria em luz. Quando demorava um pouco mais, vinha o grito
coletivo: “Falhou!”. E logo o riso, porque quase sempre não falhava — apenas
nos ensinava a esperar.
Havia os que estouravam como trovão seco, fazendo o peito
vibrar, e os que preferiam a delicadeza: estrelas coloridas, pétalas de luz
caindo devagar sobre a cidade. Mas nada se comparava às noites de novena de
Senhora Santana. Zuza, o fogueteiro famoso, preparava sua arte com solenidade.
Da porta da matriz até o meio da rua, um fio de pólvora estendido como caminho
de fogo. No centro, um grande caibro guardava o segredo. Ao final da missa,
quando o estopim era aceso, o fogo corria como reza apressada, e então o
espetáculo se revelava: luzes giravam em mandala, cores dançavam no escuro, e,
por fim, surgia a imagem da santa. Quando parecia acabar, a surpresa: a imagem
girava e subia, cercada de estrelas, e todas as cabeças se voltavam para o céu,
como quem espera uma bênção descendo em claridade.
Mas a mesma pólvora que escreve beleza no céu pode,
descuidada, rasgar a terra. Santana também aprendeu isso no susto. Na rua de
São Pedro, outra família moldava fogos dentro de casa, como tantos faziam, sem
imaginar o perigo silencioso. Numa manhã comum, de café servido e conversas
baixas, um estrondo quebrou o cotidiano. A mesa tremeu, os pires dançaram, e o
coração disparou. A notícia correu mais rápido que a fumaça: a casa havia
explodido. O que antes era ofício virou luto. A sobrevivente, poupada por um
acaso, carregou para sempre o peso de ter ficado.
Desde então, quando o céu de Santana se ilumina, a
memória também acende. Celebramos, sim, a beleza dos fogos, a alegria que une
gerações e transforma a noite em festa. Mas lembramos, com respeito, que o fogo
pede cuidado. Que a arte da pólvora exige saber, proteção e responsabilidade.
Porque a luz que encanta só é completa quando não deixa sombra de dor.
Assim, a cidade segue olhando para o alto — com olhos de
criança e coração de quem aprendeu —, desejando que cada clarão seja apenas
alegria, e que o céu continue sendo lugar de sonho, nunca de perda.

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