domingo, novembro 23, 2025

AS LEMBRANÇAS DE MARCELO

 

            Marcelo, filho de José de Deoclécio e Amélia e de Maria de José e Iluminata, cresceu como quem carrega dentro de si um mundo inteiro que ninguém vê. Era uma criança sonhadora, dessas que olham para o céu como se ele fosse um livro cheio de histórias, e para as ruas de terra como se fossem caminhos de aventura esperando apenas o primeiro passo.

            A casa simples, com o cheiro constante de café fresco e o barulho dos passos de Maria pela cozinha, era o primeiro território de sua imaginação. José, com seu jeito sério e ao mesmo tempo atento, sempre encontrava uma forma de chegar até o menino — fosse por um conselho curto, fosse por um olhar que dizia mais do que qualquer palavra.

            Marcelo carregava no bolso pedrinhas brilhantes, pedaços de madeira, cacos de vidro colorido que para ele eram tesouros, relíquias de um mundo que só sua imaginação alcançava. Às vezes, desaparecia pelos quintais vizinhos, seguindo borboletas, procurando ninhos, inventando máquinas impossíveis ou arriscando descobrir onde o vento nascia. Outras vezes ficava sentado no batente da porta, observando a rua como quem lê o tempo.

            Nos dias de festa, quando a música corria solta e a vizinhança parecia respirar mais leve, ele se escondia entre as pernas dos adultos para ver tudo sem ser notado. Gostava do som das conversas, dos risos, dos cheiros de bolo e das histórias contadas como se fossem verdade absoluta. Para Marcelo, cada palavra era uma semente — e no terreno fértil da sua imaginação, tudo brotava.

            Nem sempre entendia o mundo dos adultos, mas percebia a força que havia em seus pais. Maria com a firmeza silenciosa de quem guarda a casa, e José com aquele jeito meio ranzinza, meio carinhoso, que só quem viveu do lado dele sabe decifrar. Marcelo aprendia com os dois: com ela, a ternura; com ele, a resistência.

            O tempo passou, como sempre passa, mas algumas imagens ficaram bordadas na memória: o cheiro de chuva no início da tarde, a poeira subindo na estrada quando alguém passava a cavalo, o ar fresco das manhãs de domingo, e principalmente o sentimento de que o mundo era grande demais para caber num só lugar — sensação típica de meninos que sonham.

            Hoje, quando Marcelo olha para trás, percebe que sua infância foi feita de simplicidades que só ganham valor quando viram lembrança. E é ali, entre a casa antiga, o quintal iluminado pelo sol e a voz de seus pais chamando seu nome, que ele ainda encontra o menino que um dia foi — aquele que via magia onde ninguém mais via, e que aprendia a voar sem tirar os pés do chão.

AS LEMBRANÇAS DE MARCELO

               Marcelo, filho de José de Deoclécio e Amélia e de Maria de José e Iluminata, cresceu como quem carrega dentro de si um mundo ...