Logo cedo, no caminho da padaria, o canto estridente dos
pássaros engaiolados anunciava o dia. O galo-de-campina, em frente à
alfaiataria de Juca, cantava como se costurasse o tempo com a própria voz.
Dentro da casa-oficina, o zig-zag da máquina de costura respondia ao canto do
pássaro. Era música de trabalho. Juca Alfaiate transformava pano em destino:
ternos para casamentos, formaturas e despedidas. As crianças observavam os
manequins alinhados, vestidos de sonhos alheios, e aprendiam que as mãos
humanas eram capazes de criar beleza, sustento e identidade.
Do outro lado da rua, Pedro, na estofaria, ensinava sem
palavras que nada precisava ser descartado tão facilmente. Sofás e poltronas
ganhavam nova vida, assim como a cidade ganhava movimento. A criança entendia,
ainda que sem nomear, o valor do reaproveitar, do cuidar, do manter vivo o que
parecia gasto.
Descendo em direção ao rio Ipanema, estava Bastos, o
homem do couro. Seu ofício tinha cheiro forte e som de faca cortando matéria
bruta. Jibões, selas, alpargatas — o sertão passava por suas mãos. Os pássaros
cantavam em gaiolas, alegrando os ouvidos humanos, enquanto a criança começava,
ainda que timidamente, a perceber que o mundo carrega contradições: beleza e
prisão, canto e silêncio, trabalho e limites.
Mais adiante, a gráfica de Cajueiro pulsava como um
coração mecânico. Tipos de metal, papel, tinta preta nos aventais. Ali nasciam
notas fiscais, calendários, anúncios. A criança via as letras ganharem forma e
aprendia que o trabalho também comunica, registra, organiza o tempo e a vida
coletiva.
Sentado à porta, o senhor Rêgo trançava palhinha com a
calma de quem sabe que o saber só permanece se for partilhado. Assim como
Antônio Dantas, na marcenaria, ele deixava as crianças se aproximarem,
ajudarem, aprenderem. Não era apenas madeira ou palha: era o ensinamento de que
o trabalho digno se transmite pelo exemplo, pelo gesto paciente, pela confiança
no outro.
A rua do Sebo era uma escola sem paredes. A criança
crescia entendendo que o mundo se constrói todos os dias, com esforço,
criatividade e cooperação. Mesmo sem saber que o tempo traria máquinas e
mudanças, ela guardava no corpo e na memória a certeza de que o trabalho humano
tem alma. Hoje, ao revisitar essas ruas pela lembrança, entende-se que conviver
com os meios de produção não era apenas observar o ganha-pão dos adultos. Era
aprender sobre pertencimento, responsabilidade e futuro. Era descobrir que cada
profissão carrega uma história e que toda cidade se sustenta nas mãos de quem
cria, conserta, imprime, costura e ensina.
A infância em Santana do Ipanema foi isso: um tabuleiro
de memórias onde cada casa era uma peça, cada trabalhador um mestre, e cada
criança, sem perceber, já ensaiava os passos do mundo.

