A sociedade sempre caminhou empurrada por suas próprias necessidades. Desde os tempos mais antigos, o ser humano cria regras, escreve leis, estabelece limites, na tentativa de melhorar a convivência entre si e com os outros seres que dividem a terra. Nem sempre essas regras chegam ao mesmo tempo a todos os lugares, nem são compreendidas da mesma forma. No sertão brasileiro, isso ficou muito claro ao longo dos anos sessenta e setenta do século XX.
Já existiam leis que falavam da proteção dos animais
silvestres, mas elas pareciam distantes da realidade de cidades como Santana do
Ipanema. A preocupação maior era abrir estradas, erguer prédios, fazer a cidade
crescer, vencer a seca, garantir o básico. A natureza continuava ali, abundante
aos olhos de quem nela vivia, e os animais silvestres ainda faziam parte do
cotidiano das famílias, quase como uma extensão do quintal.
Muitas crianças daquela época cresceram dividindo a casa
com bichos que hoje só se veem em livros ou reservas ambientais. Quase sempre
chegavam filhotes, encontrados durante as caçadas dos homens ou recolhidos em
viagens pelas rodovias recém-abertas. Um sagui passava de mão em mão, preso
pela cintura a um cordão, divertindo a meninada com seus pulos rápidos e olhos
vivos. Pequenos macacos viviam situação parecida, tratados como brinquedos
curiosos, sem que ninguém imaginasse o quanto aquilo lhes custava.
Nos fundos das casas, havia espaços reservados aos
cágados. Ali, reproduziam-se como galinhas, alimentados diariamente, crescendo
sob o olhar atento das famílias. Em dias de festa, escolhia-se um ou dois, e a
cozinheira preparava o prato principal, servido com naturalidade, como se fazia
com qualquer criação doméstica.
Em quintais maiores, emas e seriemas caminhavam livres,
enchendo as manhãs com seus cantos inconfundíveis. Papagaios viviam presos por
pequenas correntes ao pé, acomodados em engenhocas de madeira com um poleiro
improvisado. Passavam os dias repetindo palavras, gritos e risadas, ecoando
tudo o que ouviam, para orgulho dos donos e alegria das visitas. Havia ainda o
bicho-preguiça, colocado nos galhos das árvores do jardim. Movia-se lentamente,
quase como se o tempo fosse outro para ele, enquanto as crianças observavam,
fascinadas, cada pequeno gesto. Em algumas casas, criavam-se pequenos veados
como se fossem ovelhas, caminhando mansos pelo terreno, aceitos como parte da
família. Nas feiras, mocós eram vendidos sem espanto, teiús permaneciam em
cativeiro, pássaros cantavam presos em gaiolas e gaiolões. Tudo acontecia à luz
do dia, sem fiscalização, sem medo, sem a noção clara de que aquilo pudesse ser
errado.
Para as crianças, era festa, era brincadeira, era
encantamento. Era a sensação de domínio sobre um ser vivo que despertava
curiosidade e afeto. Para os pais, muitas vezes, era o troféu de uma caçada
bem-sucedida, sinal de habilidade e coragem. Mas, para os animais, era o
cativeiro, a perda da liberdade, o afastamento definitivo da vida para a qual
nasceram.
Hoje, o tempo ensinou outras coisas. A sociedade mudou,
as leis ganharam voz, a consciência ambiental cresceu. Olhar para essas
memórias não é negar o carinho que existia, nem apagar a realidade daquele
tempo. É compreender que era outra época, com outros valores e prioridades, mas
também reconhecer que aprender é transformar. Esses bichos que um dia habitaram
quintais e salas agora nos pedem algo simples e profundo: respeito. Que
continuem vivos nas lembranças, nas histórias contadas com afeto, mas que
permaneçam livres na natureza, onde sempre foi o seu lugar.

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