Era começo dos anos 1970 e Santana do Ipanema amanhecia com o cheiro da feira. O sol ainda nem tinha rompido a serra, e já se ouvia o burburinho das vozes, o som das carroças, o chiar das panelas de barro batendo umas nas outras.
Era sábado — o grande dia.
Desde a quarta-feira já havia feira, mas a de sábado era
diferente. Era a feira principal, o coração pulsando da cidade. Gente vinha de
toda parte: das fazendas próximas, dos povoados distantes e até de outros
municípios. Chegavam montados em burros, carro de boi, em caminhões, ou a pé,
trazendo o que a terra e o trabalho lhes davam.
A cidade parecia crescer para caber tanta vida.
A feira se estendia por boa parte do centro, e havia uma
ordem silenciosa que todos respeitavam. Lá no alto, quase na entrada norte,
ficava a feira da farinha — o pó branco que sustentava famílias inteiras.
Serras de sacos empilhados, medidos na cuia, vendidos no alvoroço das vozes
misturadas. Descendo um pouco, o cenário mudava: era o espaço dos oleiros e
artesãos da argila. Ali se via de tudo — potes, panelas, pratos, quartinhas,
bois de barro, jarros com flores secas. Cada peça era feita à mão, moldada com
a paciência de quem aprendeu observando o ritmo do rio e da terra. Mais abaixo
vinha a feira das frutas e verduras, um mar de cores em meio ao barro. Havia
banana, laranja, pitomba, mamão, melancia, tudo o que o sertão generoso ainda
conseguia oferecer. O cheiro era doce, e os fregueses se acotovelavam
escolhendo as melhores frutas da estação. Logo depois, o aroma mudava de novo. Era
o trecho das barracas de comidas e quitandas — queijo fresco, bolo de mandioca,
tapioca quente, quebra-queixo, morosilha, doce de leite, de caju, de mamão.
Ali, ninguém passava com fome.
As mulheres que vendiam eram conhecidas pelos fregueses,
e bastava um sorriso para garantir um pedaço a mais, “de cortesia”.
Seguindo pela rua, o barulho dos martelos anunciava o
espaço das ferramentas rurais. Enxadas, foices, facões e alicates eram expostos
em bancas improvisadas, reluzindo ao sol. Mais adiante, num espaço coberto, o
açougue. As carnes penduradas nos ganchos balançavam com o vento; o chão, de
pedra, era frio e úmido. Os açougueiros pesavam a carne nas balanças de ferro,
com mãos firmes e olhos atentos. Saindo dali, voltava-se ao tumulto das
barracas. Vendia-se de tudo: tecidos, utensílios, miudezas e até promessas.
Os ourives chamavam os matutos, exibindo anéis e cordões
reluzentes:
— É ouro bom, meu amigo!
Ouro de Arapiraca!
E muitos acreditavam, encantados com o brilho das pedras
falsas e o carisma do vendedor.
Em frente à Igreja Matriz, o corredor se alargava. Era o
espaço das roupas e calçados, um desfile de cores e tecidos vindos de longe. As
moças experimentavam vestidos, os rapazes olhavam de soslaio, e o sino da
igreja lembrava, de tempos em tempos, que era sábado — dia de feira e de fé.
Entre as barracas, circulavam as carroças de madeira —
pequenas, com duas alças e uma roda à frente. Os meninos e adolescentes que as
empurravam eram figuras conhecidas da feira. As donas de casa os contratavam
logo cedo, e eles seguiam o dia todo empurrando as carroças pelas ruas
poeirentas, recolhendo as compras, rindo, suando, crescendo entre pregões e
cheiros de feira. Ao final, levavam as mercadorias até as casas das famílias,
muitas vezes ganhando, além do trocado, um pedaço de bolo e um copo de café.
Quando o sol começava a baixar e o sino das cinco tocava
na Matriz, a feira se desfazia lentamente. Restava o chão sujo de cascas e
farelos, o cheiro forte da carne, o eco das vozes. Mas o coração da cidade continuava
quente, satisfeito — como quem cumpriu um ritual antigo e sagrado.
Era assim, todo sábado, em Santana do Ipanema.
Um dia comum que se tornava memória. Um retrato do sertão
que vivia, vendia e sonhava entre bancas, carroças e o rumor eterno da vida
simples.
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