A quarta-feira chegava como um suspiro pesado, vestida de roxo e silêncio. “Oh, quarta-feira ingrata, chegou tão depressa só para contrariar”, diziam os mais velhos, e a frase ecoava pelas ruas de Santana do Ipanema como um sino invisível anunciando o fim da alegria solta do carnaval e o começo de um tempo outro: a Quaresma. Um tempo de dentro, de freio no corpo e escuta da alma.
Nas casas, os quadros de santos, os crucifixos e as
imagens que sempre vigiaram a vida cotidiana eram cobertos com tecidos roxos.
As paredes ficavam estranhas, como se os santos também estivessem em
recolhimento. As crianças aprendiam cedo que aquele gesto simples não era
castigo, mas respeito. Aprendiam que nem tudo precisa estar à mostra, que há
momentos de esconder para compreender melhor.
Na igreja matriz de Senhora Santana, os bancos se
dividiam em duas carreiras: de um lado os homens, do outro as mulheres. Elas
chegavam de véu na cabeça, sinal de humildade e tradição. Para as crianças,
aquilo tudo parecia uma grande coreografia sagrada. Cada gesto tinha um
sentido, cada silêncio ensinava mais do que muitas palavras. Ali se aprendia a
esperar, a ouvir, a permanecer quieto — virtudes raras, mas fundamentais para a
vida.
A Semana Santa era o coração desse aprendizado. Domingo
de Ramos, com os galhos levantados como esperança verde. A Procissão do
Encontro, carregada de emoção. O Lava-pés, que ensinava que até o maior deve
saber se abaixar. O Senhor Morto, quando o mundo parecia parar e o choro
contido ensinava sobre a dor. O Sábado de Aleluia, misto de medo e expectativa.
E, por fim, a Ressurreição, quando a alegria voltava como quem retorna para
casa.
As crianças participavam de tudo. Faziam jejum do jeito
que podiam, respeitavam o dia de não comer carne, iam à igreja ajoelhar — mesmo
que o tempo parecesse eterno para pernas tão pequenas. Confessavam, comungavam,
aprendiam a pedir perdão e a recomeçar. Aprendiam que errar faz parte, mas
reconhecer o erro é o que forma o caráter.
Na sexta-feira, a fé virava gesto concreto. As famílias
separavam arroz, feijão, farinha, pedaços de bacalhau. Era para repartir com
quem tinha menos. As crianças observavam, ajudavam, perguntavam. E assim
aprendiam, sem lição escrita, que fé sem partilha é vazia, e que dividir é uma
forma silenciosa de rezar. Havia ainda a subida à Serra da Micro-ondas, o ponto
mais alto da cidade. A procissão seguia pelos becos, descia ao rio, cruzava a
velha ponte de pedra, passava pelas terras de seu Ronasso e subia o morro.
Descalços, com velas acesas, relíquias nas mãos e promessas no coração, homens,
mulheres e crianças caminhavam juntos. Lá em cima, diante do cruzeiro e da
pequena igrejinha, Santana do Ipanema se abria inteira aos olhos. E as crianças
aprendiam que a fé também é esforço, é caminho íngreme, é persistência.
O sábado tinha outro tom. As ruas se enchiam de risos
nervosos e barulho com a malhação. A história de que o padre Cirilo estava
trancado na igreja procurando a aleluia — e que, se não encontrasse, o mundo
acabaria — misturava medo e fantasia. Mas até isso ensinava: que o fim só
existe para dar lugar a um recomeço.
No domingo da Ressurreição, tudo mudava. O roxo cedia
lugar à luz, os santos eram descobertos, os sinos tocavam diferente. A cidade
respirava alegria. As crianças sentiam, mesmo sem saber explicar, que algo
importante havia sido aprendido. Que depois da dor vem a esperança. Que depois
do silêncio, a palavra. Que depois da morte, a vida.
Assim, entre véus, jejuns, procissões e partilhas, as
crianças de Santana do Ipanema foram sendo moldadas. A fé não era apenas rezada
— era vivida. E desses ritos simples nasceu uma formação moral profunda:
respeito, solidariedade, humildade e esperança. Valores que, como a cidade
vista do alto da serra, permanecem gravados na memória para sempre.

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