Em Santana do Ipanema, o aprendizado não cabia apenas
dentro das paredes da escola. Ele escorria pelas ruas quentes, atravessava as
calçadas de barro batido e entrava nas casas pela porta da frente, sempre aberto,
sempre vivo. As crianças aprendiam ouvindo. O rádio, pousado num canto da sala,
falava grosso, chiava, cantava e ensinava. Era por ele que o mundo chegava
primeiro: notícias distantes, músicas que vinham de longe, vozes que pareciam
morar em outras cidades e outros tempos. Entre uma canção e outra, a imaginação
se alargava sem pedir licença.
A escola ensinava as letras, os números e os mapas, mas
era preciso mais. A igreja ajudava a organizar os sentimentos, dava nome ao
silêncio e às perguntas profundas. Já a família fazia sua parte com zelo quase
invisível: apresentava o mundo aos poucos, como quem abre janelas para o vento
entrar sem derrubar a casa.
Nem todas as famílias faziam assim, é verdade. Mas
algumas tinham esse compromisso silencioso de ampliar horizontes. Levavam os
filhos ao cinema. Mesmo que fosse só na cidade vizinha, planejavam viagens
curtas, que pareciam longas aventuras. E quando não dava para ir longe, traziam
o mundo para dentro de casa. Na sala, a vitrola girava como um coração
mecânico. O ritual de comprar discos novos era levado a sério. Roberto Carlos
embalava os domingos, Agnaldo Timóteo fazia a casa silenciar, Rita Lee sacudia
os pensamentos, Elvis Presley atravessava oceanos e pousava ali, entre o sofá e
a mesa de centro. A música era partilhada como pão: todos ouviam, todos
sentiam.
Na banca de revistas, a semana tinha cheiro de papel
novo. A mãe escolhia Capricho, Sétimo Céu ou Manequim. O pai folheava a Isto É,
Manchete, os jornais grandes que falavam do Brasil e do mundo. As crianças
saíam carregadas de sonhos coloridos: Tio Patinhas, Turma da Mônica, Tex,
Tarzan, Super-Homem, Batman. Cada revista era uma porta secreta. Os álbuns de
figurinhas espalhavam-se pelo chão. Copa do Mundo, heróis, artistas. As
figurinhas eram tesouros negociados com seriedade: trocas, promessas, apostas
no bafo. Colecionavam-se imagens, palavras, chaveiros, pequenas coisas que
davam a sensação de pertencer a algo maior.
Lia-se muito, mesmo sem perceber que era leitura.
Caça-palavras, quadrinhos, manchetes de jornal. Gazeta de Alagoas, Jornal de
Alagoas, Diário de Pernambuco, Folha de São Paulo. Os nomes dos jornais soavam
grandes demais para uma cidade pequena, mas cabiam perfeitamente nas mãos
curiosas das crianças. Assim, o conhecimento crescia num movimento de troca. Os
adultos ensinavam sem discursos longos, as crianças aprendiam brincando. Em
Santana do Ipanema, aprender era viver. E viver, naquele tempo, era um
exercício diário de escuta, partilha e imaginação — um mundo inteiro cabendo dentro
de uma casa, de um disco girando, de uma revista recém-aberta.

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