Nos anos 1970, Santana do Ipanema era um vai-e-vem danado! Gente chegando de São Paulo com sotaque arrastado, gente partindo pra Recife levando saudade e esperança na mala. O sertão parecia respirar aquele movimento — uma troca invisível de sonhos e histórias.
No beco de seu Felisdoro, onde as vozes ecoavam entre
paredes estreitas, vivia Dona Zefinha, uma mulher miúda, forte como raiz de
mandacaru, e mãe de três. O marido? Tinha ido embora “atrás de sorte”, como se
dizia. Nunca mais voltou. Mas Zefinha ficou — ficou porque sabia que o chão de
Santana era duro, mas era seu. Com coragem, ela transformou a pobreza numa
oficina de possibilidades. Certo dia, enquanto olhava para a panela de alumínio
surrada, pensou: “Se açúcar der alegria pra menino, dá sustento pra gente
grande também.”
E assim nasceu o império doce de Zefinha.
Ela colocava água e açúcar na vasilha e ficava ali,
mexendo com firmeza, observando o ponto certo — aquele instante exato em que o
caldo engrossava e já cheirava a infância. Em um tabuleiro furado, ela
encaixava cones de papel que fazia à mão. Despejava o mel dourado e, com um
movimento rápido, enfiava o palito. Estava criado o pirulito de tabuleiro.
Simples. Modesto. E poderoso. Quem saía vendendo era Luizinho, o mais velho,
correndo os becos, abrindo caminho pela cidade com o grito que virou trilha
sonora de muitas tardes:
— “Olhe o pirulito!
Enrolado num papel e enfiado num palito!”
Era bonito de ver o menino, magro, descalço, mas com o
peito cheio de orgulho. Cada centavo voltava para casa e virava feijão,
caderno, sabão, um par de chinelos para o mais novo. Com o tempo — ah, com o
tempo a criatividade de Zefinha floresceu como mandacaru depois da chuva. Ela
comprou forminhas de metal trazidas por um vizinho que voltara de São Paulo. E
os pirulitos ganharam forma: chupeta, coração, pássaro, estrelinha. Sua arte
virou atração. Criança já reconhecia de longe o brilho do açúcar colorido. Zefinha
virou referência. Não tinha estudo, não tinha marido, mas tinha coragem, mãos
ligeiras e uma fé que nunca lhe cabia no peito.
À noite, quando a cidade já estava calma, ela se sentava
na porta, abanando o rosto suado, enquanto os meninos brincavam. Olhava pro céu
estrelado e pensava, silenciosa: “Criei um mundo com o que tinha.”
E era verdade.
No sertão da segunda metade do século XX, onde a vida
teimava em ser dura, aquelas mulheres — Zefinha, Maria de Chico, Rita de Jaime,
Tereza de João Pequeno — sustentavam a comunidade com invenção, suor e uma
resistência bonita de se ver. Não eram lembradas nos jornais, não discursavam
em palanques, mas seguravam casas inteiras nas costas. Criaram filhos, criaram
caminhos e criaram futuro num lugar onde muitos só viam seca e falta.
Zefinha nunca foi rica. Mas deixou herança: a certeza de
que, quando a vida apertava, ela sempre arranjava um jeito de adoçar o mundo. Essa
era a força da mulher sertaneja: lutadora, criativa, incansável — capaz de
transformar açúcar em sobrevivência e amor em alimento.
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