quarta-feira, dezembro 10, 2025

A DOÇURA QUE MANTINHA A CASA DE PÉ

 

            




           Nos anos 1970, Santana do Ipanema era um vai-e-vem danado! Gente chegando de São Paulo com sotaque arrastado, gente partindo pra Recife levando saudade e esperança na mala. O sertão parecia respirar aquele movimento — uma troca invisível de sonhos e histórias.

            No beco de seu Felisdoro, onde as vozes ecoavam entre paredes estreitas, vivia Dona Zefinha, uma mulher miúda, forte como raiz de mandacaru, e mãe de três. O marido? Tinha ido embora “atrás de sorte”, como se dizia. Nunca mais voltou. Mas Zefinha ficou — ficou porque sabia que o chão de Santana era duro, mas era seu. Com coragem, ela transformou a pobreza numa oficina de possibilidades. Certo dia, enquanto olhava para a panela de alumínio surrada, pensou: “Se açúcar der alegria pra menino, dá sustento pra gente grande também.”

            E assim nasceu o império doce de Zefinha.

            Ela colocava água e açúcar na vasilha e ficava ali, mexendo com firmeza, observando o ponto certo — aquele instante exato em que o caldo engrossava e já cheirava a infância. Em um tabuleiro furado, ela encaixava cones de papel que fazia à mão. Despejava o mel dourado e, com um movimento rápido, enfiava o palito. Estava criado o pirulito de tabuleiro. Simples. Modesto. E poderoso. Quem saía vendendo era Luizinho, o mais velho, correndo os becos, abrindo caminho pela cidade com o grito que virou trilha sonora de muitas tardes:

— “Olhe o pirulito! Enrolado num papel e enfiado num palito!”

            Era bonito de ver o menino, magro, descalço, mas com o peito cheio de orgulho. Cada centavo voltava para casa e virava feijão, caderno, sabão, um par de chinelos para o mais novo. Com o tempo — ah, com o tempo a criatividade de Zefinha floresceu como mandacaru depois da chuva. Ela comprou forminhas de metal trazidas por um vizinho que voltara de São Paulo. E os pirulitos ganharam forma: chupeta, coração, pássaro, estrelinha. Sua arte virou atração. Criança já reconhecia de longe o brilho do açúcar colorido. Zefinha virou referência. Não tinha estudo, não tinha marido, mas tinha coragem, mãos ligeiras e uma fé que nunca lhe cabia no peito.

            À noite, quando a cidade já estava calma, ela se sentava na porta, abanando o rosto suado, enquanto os meninos brincavam. Olhava pro céu estrelado e pensava, silenciosa: “Criei um mundo com o que tinha.”

            E era verdade.

            No sertão da segunda metade do século XX, onde a vida teimava em ser dura, aquelas mulheres — Zefinha, Maria de Chico, Rita de Jaime, Tereza de João Pequeno — sustentavam a comunidade com invenção, suor e uma resistência bonita de se ver. Não eram lembradas nos jornais, não discursavam em palanques, mas seguravam casas inteiras nas costas. Criaram filhos, criaram caminhos e criaram futuro num lugar onde muitos só viam seca e falta.

            Zefinha nunca foi rica. Mas deixou herança: a certeza de que, quando a vida apertava, ela sempre arranjava um jeito de adoçar o mundo. Essa era a força da mulher sertaneja: lutadora, criativa, incansável — capaz de transformar açúcar em sobrevivência e amor em alimento.

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