Em Santana do Ipanema, quando o sol se escondia atrás das serras e deixava o céu rosado como algodão de açúcar, as ruas iam ficando mansas. Não havia televisão, não havia celular, e sequer um rádio fazia barulho em todas as casas. Mas ninguém sentia falta. O tempo parecia mais cheio, como se cada minuto tivesse uma largura maior.
As crianças corriam de um lado ao outro, suadas, rindo,
chutando bola ou apostando corrida até o fim da rua. Os adultos vinham voltando
do trabalho — as mulheres do comércio, das repartições, das escolas; os homens
dos serviços pesados, do campo, das oficinas. Todos carregando o cansaço nos
ombros, mas um cansaço bom, daqueles que se lava na conversa. E era ali, nas
calçadas iluminadas pelo candeeiro ou pelo generoso brilho da lua cheia, que o
verdadeiro espetáculo começava.
O Círculo das Histórias
As crianças se sentavam
primeiro. Sempre elas. Como se tivessem sede de ouvir, os olhos brilhando, as
pernas inquietas. Os adultos vinham depois, arrastando bancos, cadeiras de
balanço, tamboretes. E então formava-se aquele círculo sagrado — o palco onde a
imaginação tinha licença de dançar.
Dona Alzira era a primeira a falar. Sempre foi. Tinha uma
voz grave e contava sobre os espíritos que apareciam para revelar onde estava
enterrada a botija — mas só revelavam para quem tinha o coração limpo. As
crianças tremiam, mas não desgrudavam da história. Seu Raimundo, por sua vez,
lembrava dos homens que viravam animais ao bater da meia-noite. Um vulto que
corria como quem foge ou persegue — ninguém sabia. As crianças se entreolhavam
e ficavam mais juntinhas. E havia, claro, o terrível papa-figo, que surgia
sempre quando alguma criança enrolava demais para entrar em casa. Bastava a mãe
dizer: “Olha que o papa-figo anda por aí…” e pronto — era como se a noite toda
prendesse a respiração.
Mas nem tudo era medo.
Havia também as histórias de amor antigo, contos cheios
de humor e sabedoria, causos que falavam de amizade, de respeito, de conviver
em grupo sem pisar no outro. Histórias onde cada erro era um ensinamento e cada
acerto, um brilho que mostrava o caminho certo.
Aprender Crescendo Juntos
As crianças, sem perceber, aprendiam mais ali do que em
qualquer caderno da escola.
Aprendiam a esperar sua vez de falar.
Aprendiam a escutar com atenção.
Aprendiam que a vida é cheia de mistérios, mas também de
belezas simples. E, principalmente, aprendiam que comunidade é estar junto —
com medo, com riso, com dúvida, com sonho. E quando a noite chegava ao fim,
quando a lua já estava alta e o vento frio batia no rosto, cada criança voltava
para casa sentindo-se maior. Mais esperta. Mais parte do mundo. Porque naquela
época, antes de telas e botões, quem educava também era a palavra — viva,
quente, encantada. E era ali, nas calçadas de Santana, que as crianças
aprendiam a ser gente.

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