Nas noites quentes do sertão alagoano, o tempo parecia
andar descalço. A lua subia devagar, como quem pede licença, e as estrelas
acendiam uma a uma para assistir ao que viria: gente sentada nas portas, bancos
de madeira rangendo manso, o cheiro da terra ainda quente do sol do dia. Um ou
dois adultos se acomodavam para descansar da lida, olhos erguidos para o céu, e
logo as crianças iam chegando, vindas de todos os cantos, trazendo no corpo o
cansaço bom da brincadeira e no rosto a curiosidade acesa.
Algumas vinham esbaforidas de tanto correr; outras ainda
pulavam o avião riscado no chão, ocupando casas imaginárias com saltos
precisos; havia as que giravam a corda num ritmo antigo e, mais adiante, dois
times disputavam a queimada, a bola cruzando o escuro como um cometa breve. E,
no meio de tudo, surgia o passar do anel, com suas palavras quase sagradas —
“boca de forno” — e o riso contido de quem aguardava o castigo, que nunca era
pesado, mas sempre ensinava.
Quando a roda se fechava, a voz do adulto ganhava a
noite. Era ali que o mundo se explicava sem pressa. Falava-se do dinheiro que
mudava de nome e de valor sem avisar a quem morava longe, do papel guardado em
potes, colchões e latas que, de repente, já não valia nada. Não era só um
causo: era alerta. Aprendia-se que o tempo corre, que a informação é caminho,
que o cuidado também é sabedoria. As crianças ouviam com olhos atentos,
aprendendo a ler o mundo antes mesmo de saber ler letras.
Depois vinham as botijas. Tesouros enterrados por mãos
temerosas, guardados pela avareza ou pelo excesso de zelo. Dizia-se que a alma
do guardador não descansava enquanto o ouro não encontrasse destino justo. E
assim, em sonho, escolhia alguém para revelar o segredo, impondo regras antigas
— gente de fé, número certo de pessoas, pureza de intenção — porque o tesouro,
mais do que riqueza, exigia retidão. Se faltasse respeito ao combinado, a
botija se escondia de novo, como lição repetida.
Essas histórias desciam sobre as crianças como um manto
leve. Não eram apenas fantasias: eram mapas. Ensinavam prudência, partilha,
responsabilidade; mostravam que toda escolha tem consequência e que o saber
passa de boca em boca como pão repartido. Os adultos, cercados de meninos e
meninas, eram pontes entre tempos — como os griôs africanos, os anciãos
indígenas, os trovadores da Europa feudal — fiadores de uma memória que não
cabia em livro.
Quando a noite se aprofundava e a hora do recolher
chegava, cada criança levava consigo um pedaço do que ouvira. Um medo bom, uma
coragem nascente, uma pergunta guardada. Dormiam sabendo que o dia seguinte
seria continuação daquilo que se vive bem junto: brincar, ouvir, aprender.
E assim cresciam. Com o corpo forte das brincadeiras e a
mente acesa pelas histórias. Porque no sertão, sob a lua quente, aprender
sempre foi um ato coletivo — e ensinar, um gesto de cuidado que molda o futuro
sem fazer barulho.

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