Cada dia amanhecia diferente para as crianças nascidas e
criadas em Santana do Ipanema. A cidade oferecia tudo o que era essencial para
crescer: espaço para brincar livre, escola para aprender, igreja para cultivar
a fé e, sobretudo, exemplos vivos dos pais, avós e dos mais velhos, que
ensinavam mais pelos gestos do que pelas palavras.
Quando o assunto era alimentação, a infância santanense
parecia ter um balaio sempre cheio. As frutas vinham das terras da família, dos
quintais dos vizinhos, das propriedades de amigos e até de desconhecidos,
porque naquele tempo a fartura da terra não conhecia cercas rígidas. O feijão
tinha sua festa, o milho reinava nas fogueiras e bandeirolas de junho, e as
frutas ocupavam um lugar diário e silencioso à mesa das crianças.
No quintal da casa de Misael, o bisavô, havia uma
goiabeira enorme, dessas que pareciam abraçar o céu. Era dali que ele tirava
sacos cheios de goiabas para presentear os bisnetos. Enquanto as crianças se
lambuzavam com o doce da fruta madura, Misael permanecia sentado na cadeira de
balanço, observando em silêncio, como quem guarda o tempo dentro do peito.
Aquele gesto simples — colher, oferecer, compartilhar — alimentava mais do que
o corpo; fortalecia os laços e ensinava cuidado.
O sábado era outro capítulo dessa história. Dia de feira,
dia de cores e cheiros. Na feira de Santana havia um espaço só para elas: a
feira das frutas. Conforme a época do ano, a variedade se espalhava pelas
bancas como um arco-íris sertanejo. O caju era rei. Que criança não apreciava
um caju até o fim, guardava as castanhas e, em casa, improvisava uma lata de
óleo sobre tijolos, acendia o carvão e, em poucos minutos, tinha castanhas
assadas? Sabia-se, desde cedo, que não se tomava leite antes de comer caju, que
o sumo manchava a roupa, e esses saberes passavam de geração em geração, como
uma cartilha oral da vida.
Havia também pinha, manga, jaca mole ou dura, umbu para
virar umbuzada, sorvete de umbu-cajá, acerola, graviola — o famoso
coração-da-índia. O coco aparecia de muitas formas, inclusive o coco de ouricuri,
transformado pelas vendedoras em rosários. As crianças, com aqueles colares no
pescoço, iam comendo conta por conta, rezando e se alimentando ao mesmo tempo.
Tinha ainda maracujá para refrescar o calor escaldante do sertão, tamarindo,
mamão, melancia, pitomba, jabuticaba, melão.
Colher a fruta no pé era um ritual. O cheiro da fruta
madura, o cuidado ao escolher, o lavar na bica ou no pote de água, o comer ali
mesmo, à sombra da árvore. Não havia embalagem, nem pressa. A saúde vinha da
terra, do sol, da água e das mãos calejadas que plantavam e cuidavam. Aquela
alimentação simples, natural e colorida fortalecia o corpo das crianças e
criava nelas um respeito profundo pela natureza.
Hoje, ao lembrar dessa infância, entende-se que aquelas
frutas eram mais do que alimento: eram memória, afeto e aprendizado. Eram a
prova de que crescer saudável também é crescer ligado à terra, sabendo de onde
vem o que nos sustenta e reconhecendo que, muitas vezes, a maior riqueza está
pendurada em um galho, esperando apenas ser colhida.

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