quinta-feira, dezembro 18, 2025

SABORES DA INFÂNCIA: FRUTAS, AFETO E VIDA NO SERTÃO DE SANTANA


 

            Cada dia amanhecia diferente para as crianças nascidas e criadas em Santana do Ipanema. A cidade oferecia tudo o que era essencial para crescer: espaço para brincar livre, escola para aprender, igreja para cultivar a fé e, sobretudo, exemplos vivos dos pais, avós e dos mais velhos, que ensinavam mais pelos gestos do que pelas palavras.

            Quando o assunto era alimentação, a infância santanense parecia ter um balaio sempre cheio. As frutas vinham das terras da família, dos quintais dos vizinhos, das propriedades de amigos e até de desconhecidos, porque naquele tempo a fartura da terra não conhecia cercas rígidas. O feijão tinha sua festa, o milho reinava nas fogueiras e bandeirolas de junho, e as frutas ocupavam um lugar diário e silencioso à mesa das crianças.

            No quintal da casa de Misael, o bisavô, havia uma goiabeira enorme, dessas que pareciam abraçar o céu. Era dali que ele tirava sacos cheios de goiabas para presentear os bisnetos. Enquanto as crianças se lambuzavam com o doce da fruta madura, Misael permanecia sentado na cadeira de balanço, observando em silêncio, como quem guarda o tempo dentro do peito. Aquele gesto simples — colher, oferecer, compartilhar — alimentava mais do que o corpo; fortalecia os laços e ensinava cuidado.

            O sábado era outro capítulo dessa história. Dia de feira, dia de cores e cheiros. Na feira de Santana havia um espaço só para elas: a feira das frutas. Conforme a época do ano, a variedade se espalhava pelas bancas como um arco-íris sertanejo. O caju era rei. Que criança não apreciava um caju até o fim, guardava as castanhas e, em casa, improvisava uma lata de óleo sobre tijolos, acendia o carvão e, em poucos minutos, tinha castanhas assadas? Sabia-se, desde cedo, que não se tomava leite antes de comer caju, que o sumo manchava a roupa, e esses saberes passavam de geração em geração, como uma cartilha oral da vida.

            Havia também pinha, manga, jaca mole ou dura, umbu para virar umbuzada, sorvete de umbu-cajá, acerola, graviola — o famoso coração-da-índia. O coco aparecia de muitas formas, inclusive o coco de ouricuri, transformado pelas vendedoras em rosários. As crianças, com aqueles colares no pescoço, iam comendo conta por conta, rezando e se alimentando ao mesmo tempo. Tinha ainda maracujá para refrescar o calor escaldante do sertão, tamarindo, mamão, melancia, pitomba, jabuticaba, melão.

            Colher a fruta no pé era um ritual. O cheiro da fruta madura, o cuidado ao escolher, o lavar na bica ou no pote de água, o comer ali mesmo, à sombra da árvore. Não havia embalagem, nem pressa. A saúde vinha da terra, do sol, da água e das mãos calejadas que plantavam e cuidavam. Aquela alimentação simples, natural e colorida fortalecia o corpo das crianças e criava nelas um respeito profundo pela natureza.

            Hoje, ao lembrar dessa infância, entende-se que aquelas frutas eram mais do que alimento: eram memória, afeto e aprendizado. Eram a prova de que crescer saudável também é crescer ligado à terra, sabendo de onde vem o que nos sustenta e reconhecendo que, muitas vezes, a maior riqueza está pendurada em um galho, esperando apenas ser colhida.

 

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