Memórias são passagens. São pedaços de vida que colhemos ao longo do caminho — encontros com outros, encontros conosco, pequenos instantes que insistem em permanecer. E cada pessoa encontra um modo próprio de guardá-las: num diário amarelado, num bibelô esquecido na cristaleira, numa carta dobrada dentro de uma caixa de sapatos. Em Santana do Ipanema, nas décadas de 1960 e 1970, as lembranças se multiplicavam como sementes lançadas ao vento, e cada morador encontrava o seu jeito de guardar o que o coração não queria perder.
Entre todas as formas de preservar o tempo, havia uma que
carregava um encanto especial: a fotografia. Naquele tempo, ter uma máquina
fotográfica era privilégio de poucos. Por isso, os lambe-lambe da feira de
sábado eram tão importantes. Ali, com suas engenhocas cobertas por panos
escuros, faziam nascer retratos instantâneos. As famosas fotos três por quatro,
sempre com uma tabuleta no peito marcando a data, eram documentos para a vida
adulta. Mas havia mais: famílias de sítio, num misto de orgulho e timidez,
posavam para fotos de corpo inteiro. Enamorados registravam seu amor em papel,
escrevendo atrás da foto uma dedicatória que valia mais que qualquer aliança.
Filhos e pais fotografavam-se para enviar a parentes distantes — e assim as
memórias viajavam até São Paulo e tantos outros cantos do país.
E havia o fotógrafo das crianças, aquele que encantava os
pequenos. Carregava um cavalinho de madeira às costas, selado como se viesse de
um filme. Trazia também armas de brinquedo, pois as crianças gostavam de se
imaginar heróis do faroeste. Eram cenas inventadas, fantasias puras, mas que
ganhavam eternidade no visor da sua máquina. A fotografia, naquele tempo, era
quase mágica.
Mas nenhum nome se destacava tanto quanto o do fotógrafo
Zezinho. Em Santana, bastava dizer seu nome — todos sabiam quem era. Um
profissional de mão cheia, diziam com orgulho. Seu estúdio ficava na rua
Benedito Melo, a conhecida rua Nova. E era de lá que Zezinho saía, ainda cedo,
carregando sua câmera e a responsabilidade de transformar vidas comuns em
imagens eternas.
Nas casas das famílias que o contratavam, tudo já estava
preparado: crianças de banho tomado, cabelos penteados com vaselina, roupas de
alfaiataria cuidadosamente passadas. Zezinho organizava o cenário, pedia para
virar um pouco o rosto, ajeitava a luz, arrumava as mãos. Fazia fotos
individuais, em pares, em grupos. E quando terminava, com a calma de quem
respeita o tempo da arte, perguntava: “Com retoque ou sem retoque?”. Porque
antes do digital, retoque era ofício, paciência e talento.
Nas escolas, o dia da foto era um acontecimento. Zezinho
montava seu cenário tradicional: mesa forrada, enciclopédias empilhadas, globo
terrestre, porta-canetas... e a criança segurando a caneta, como se estivesse
escrevendo o próprio futuro. Atrás, a bandeira do Brasil. Depois, era esperar
ansiosamente pelo envelope com as fotos, para guardá-las em álbuns que seriam,
mais tarde, mostrados com orgulho às visitas.
Hoje, ao folhear um álbum antigo ou encontrar uma
fotografia dentro de um livro esquecido, sentimos o cheiro do passado. E
entendemos que, graças aos fotógrafos, o tempo não levou tudo. A luz ficou. A
memória ficou.
E Santana do Ipanema, com seus encantos, continua vivendo
em cada imagem que resistiu ao passar dos anos.
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