Os anos de 1970 chegaram a Santana do Ipanema como um vento diferente, quente como sempre, mas trazendo novidades que mexiam com o coração da cidade. O Brasil tinha acabado de ganhar mais uma Copa do Mundo e, mesmo numa cidade pequena do sertão alagoano, o povo fazia festa como se estivesse no Maracanã. Fogos, gritos, bandeirinhas pelas ruas — Santana vivia um tempo de esperança.
As crianças nascidas no início dos anos 60 já eram quase
mocinhas, quase rapazes. Concluíam o primário, ajeitavam os cadernos de
caligrafia e se preparavam para o ginásio. À noite, no Grupo Escolar Ormindo
Barros, na Camoxinga, a professora Leda — firme, exigente e doce — reunia um
grupo de alunos para reforço. Eram aulas silenciosas, de letras bem traçadas,
contas alinhadas e o cheiro de giz no ar.
Mas naquele ano algo extraordinário surgiu em Santana.
Ninguém sabia ao certo de onde veio ou quem trouxe, mas uma novidade tomou
conta das conversas, dos cochichos e dos olhos brilhando: o tobogã. Um
escorregador gigante, mais alto do que qualquer coisa que aquelas crianças já
tinham visto, parecia tocar o céu do Monumento.
De longe já dava
para sentir um friozinho danado na barriga. Para descer, cada um recebia uma
estopa de juta — áspera nas mãos, mas macia o suficiente para voar na descida. Subia-se
por uma escadaria comprida, degrau por degrau, ouvindo o coração bater no
ouvido. Lá de cima, Santana parecia pequena, como um presépio iluminado pela
lua. Depois era só sentar na estopa, segurar a respiração e… despencar. Queda
livre. O vento cortando o rosto. O grito preso e solto. O chão chegando rápido.
O riso escapando no final.
Era festa, e que festa.
Os pré-adolescentes do Ormindo Barros saíam das aulas às
nove da noite e, sem que os pais soubessem, atravessavam a cidade em silêncio
cúmplice até o Monumento. Ali, sob as estrelas, viviam a primeira noitada da
vida. Desciam uma, duas, três vezes… até perder a conta. Pagavam um ou dois
cruzeiros, riam como nunca, e deixavam o tempo escapar sem perceber.
Naquela noite, o mundo
pareceu só deles.
Nem Santana existia mais.
Nem as preocupações dos
adultos.
Nem a sombra do futuro.
Existia apenas a velocidade do tobogã, a coragem
recém-descoberta e a sensação de liberdade que, pela primeira vez, parecia
caber no corpo. Mas, como toda aventura que nasce no improviso, a madrugada
chegou. E com ela, a surpresa dos pais que esperavam os filhos voltarem da
escola muito antes. A lição veio sem gritos — veio no susto, na preocupação dos
adultos e no entendimento de que crescer também é aprender limites. Foi assim
que aquela noite inesquecível se transformou em história, daquelas que se conta
sorrindo e suspirando cinquenta anos depois.
Moral da História
A liberdade tem sabor doce, mas precisa ser vivida com
responsabilidade. A alegria dos filhos é grande, mas a preocupação dos pais é
maior ainda. E, no fim, é no equilíbrio entre confiança e cuidado que se
aprende a viver.
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