terça-feira, novembro 25, 2025

O TOBOGÃ DO MUNUMENTO

 

            Os anos de 1970 chegaram a Santana do Ipanema como um vento diferente, quente como sempre, mas trazendo novidades que mexiam com o coração da cidade. O Brasil tinha acabado de ganhar mais uma Copa do Mundo e, mesmo numa cidade pequena do sertão alagoano, o povo fazia festa como se estivesse no Maracanã. Fogos, gritos, bandeirinhas pelas ruas — Santana vivia um tempo de esperança.

            As crianças nascidas no início dos anos 60 já eram quase mocinhas, quase rapazes. Concluíam o primário, ajeitavam os cadernos de caligrafia e se preparavam para o ginásio. À noite, no Grupo Escolar Ormindo Barros, na Camoxinga, a professora Leda — firme, exigente e doce — reunia um grupo de alunos para reforço. Eram aulas silenciosas, de letras bem traçadas, contas alinhadas e o cheiro de giz no ar.

            Mas naquele ano algo extraordinário surgiu em Santana. Ninguém sabia ao certo de onde veio ou quem trouxe, mas uma novidade tomou conta das conversas, dos cochichos e dos olhos brilhando: o tobogã. Um escorregador gigante, mais alto do que qualquer coisa que aquelas crianças já tinham visto, parecia tocar o céu do Monumento.

             De longe já dava para sentir um friozinho danado na barriga. Para descer, cada um recebia uma estopa de juta — áspera nas mãos, mas macia o suficiente para voar na descida. Subia-se por uma escadaria comprida, degrau por degrau, ouvindo o coração bater no ouvido. Lá de cima, Santana parecia pequena, como um presépio iluminado pela lua. Depois era só sentar na estopa, segurar a respiração e… despencar. Queda livre. O vento cortando o rosto. O grito preso e solto. O chão chegando rápido. O riso escapando no final.

            Era festa, e que festa.

            Os pré-adolescentes do Ormindo Barros saíam das aulas às nove da noite e, sem que os pais soubessem, atravessavam a cidade em silêncio cúmplice até o Monumento. Ali, sob as estrelas, viviam a primeira noitada da vida. Desciam uma, duas, três vezes… até perder a conta. Pagavam um ou dois cruzeiros, riam como nunca, e deixavam o tempo escapar sem perceber.

Naquela noite, o mundo pareceu só deles.

Nem Santana existia mais.

Nem as preocupações dos adultos.

Nem a sombra do futuro.

            Existia apenas a velocidade do tobogã, a coragem recém-descoberta e a sensação de liberdade que, pela primeira vez, parecia caber no corpo. Mas, como toda aventura que nasce no improviso, a madrugada chegou. E com ela, a surpresa dos pais que esperavam os filhos voltarem da escola muito antes. A lição veio sem gritos — veio no susto, na preocupação dos adultos e no entendimento de que crescer também é aprender limites. Foi assim que aquela noite inesquecível se transformou em história, daquelas que se conta sorrindo e suspirando cinquenta anos depois.

Moral da História

            A liberdade tem sabor doce, mas precisa ser vivida com responsabilidade. A alegria dos filhos é grande, mas a preocupação dos pais é maior ainda. E, no fim, é no equilíbrio entre confiança e cuidado que se aprende a viver.

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