Ser criança em Santana do Ipanema nos anos de 1970 era viver dentro de um mundo pequeno que, misteriosamente, tinha a grandeza de um universo inteiro. No sertão alagoano, onde muitos imaginavam que “nada acontecia”, a vida pulsava com força própria — e para os olhos curiosos de uma criança, tudo era gigantesco. As ruas de barro, como a Antônio Tavares, eram estradas para aventuras intermináveis. As manhãs de sábado se abriam em cores, cheiros e vozes na feira livre, onde o mundo parecia chegar de mala e cuia, misturado aos cheiros de milho verde, couro e café fresco.
O rio Ipanema, com suas pequenas ilhas temporárias, se
transformava em estádio, parque e fortaleza. Estudar no Grupo Padre Francisco
Correia, viver o brilho das festas juninas, os fogos que riscavam o céu, os
bailes de carnaval nas tardes de domingo e terça de momo — tudo isso era o
bastante para preencher uma infância inteira de memórias felizes.
E havia o cinema. A sétima arte chegava a Santana com
pompa e encanto. No Cine Alvorada, crianças e adultos viajavam para mundos
distantes através de Teixeirinha e Mary Terezinha, Mazzaropi, Tarzan e Django.
Mas Santana do Ipanema guardava uma surpresa maior, uma que fez o coração da
cidade bater mais forte: ela própria se tornaria cenário de um filme.
Quando Aécio Andrade escolheu Santana para gravar “A
Volta pela Estrada da Violência”, o primeiro longa-metragem alagoano, a cidade
viveu dias de pura magia. Homens, mulheres e, sobretudo, crianças acompanharam
as filmagens como quem presencia um sonho se materializar. Muitos se tornaram
figurantes, orgulhosos de emprestar seus rostos, suas roupas simples e sua
espontaneidade ao cinema brasileiro.
Uma das cenas mais marcantes tomou forma diante dos olhos
da população: a chegada dos filhos da protagonista, mortos, carregados em caçuás
sobre cavalos. A gravação começou na ponte nova e avançou pela Rua do Comércio,
subindo a Barão do Rio Branco até chegar à imponente Igreja Matriz de Senhora
Santana. Ali, diante da escadaria centenária, encerrou-se a sequência — sob os
olhares atentos de uma multidão que, por alguns instantes, sentiu-se parte de
Hollywood.
Naqueles dias, Santana do Ipanema percebeu que o mundo
era, sim, muito maior — mas que ela também podia ser grande. O sertão ganhava
projeção nacional, e suas crianças ganhavam histórias para guardar para sempre
em seus baús mais preciosos: as lembranças da vida.
Porque ser criança em Santana nos anos 1970 era isso:
descobrir que até nos cantos mais esquecidos do mapa, a grandeza também
acontece — e, às vezes, vira cinema.
Nenhum comentário:
Postar um comentário