A esperteza de criança é rápida, mas a consciência chega sempre depois — e, quando chega, mostra que diversão sem maldade é diferente de enganar alguém. Travessura é travessura, mas honestidade é coisa que nem o tempo, nem as mudanças do dinheiro, podem desvalorizar.
Muitas histórias nascem da infância vivida em Santana do Ipanema — e quase todas têm aquele cheiro de rio, de barro quente e de imaginação sem freios. A criançada criava seu próprio mundo observando o mundo dos adultos: se os homens jogavam bola nos times Ipiranga e Ipanema, eles também viravam craques nas ilhas do Rio Ipanema; se os adultos nadavam e pescavam, eles imitavam nas braçadas tímidas entre um mergulho e outro; e até as carteiras de cigarro, quando vazias, eram recicladas em notas de “dinheiro”, com valores inventados para negociar sonhos de infância.
Tudo era brincadeira — mas o mundo adulto, esse sim,
vivia suas turbulências de verdade. A economia parecia uma gangorra. O dinheiro
mudava de valor, mudava de nome e até de roupa. Primeiro era cruzeiro, depois
era cruzeiro novo, depois voltava a ser cruzeiro e ninguém sabia até quando. Foi
em meio a uma dessas mudanças que dois meninos, conhecidos na rua por serem
“arteiros do primeiro grau”, resolveram transformar a criatividade em ousadia.
Eles encontraram uma cédula antiga, já fora de uso, e, munidos de uma caneta
meio falha, decidiram “atualizar” o dinheiro. Se o governo tinha mudado a
moeda, por que eles não poderiam fazer o mesmo?
— Pronto! Agora tá igualzinha! — disse um deles, com a
convicção de quem achava que tinta de caneta era ferramenta oficial da Casa da
Moeda.
Com a nota “atualizada”, foram direto para a bodega de
seu Maxwel. A bodega era quase um museu: pouca coisa para vender e muita história
para contar. Seu Maxwel, já de idade avançada, mantinha o comércio mais como
passatempo do que como negócio. Entre um cliente e outro, passava o tempo
ajeitando o candeeiro, coçando a barba rala e lembrando dos velhos tempos. A
noite estava escura e o candeeiro aceso tremia como se estivesse cansado
também. Os meninos chegaram tentando parecer sérios, mas a ansiedade brilhava
mais que o vidro da lamparina.
— Seu Maxwel, dá uns chicletes aí... — pediu o mais
ousado.
Ele pegou a nota, olhou por cima dos óculos, virou de um
lado, virou do outro… e como as vistas já não eram as mesmas, deu de ombros.
Entregou o troco e um punhado de chicletes. Os moleques encheram os bolsos e
também a boca. E aí… correram. Desceram a ladeira como quem foge de uma onça. A
cada pulo, um dos meninos dizia que a carreira batia “com o pé na bunda”.
Pularam pedra, pularam muro e se esconderam numa construção inacabada, rindo
sem conseguir respirar — quase engasgando de tanto chiclete mascado de uma vez
só.
Poucos minutos depois, ouviram ao longe um grito:
— SEUS FILHOS DE UMA ÉGUA!!!
Era seu Maxwel, trôpego, furioso e cuspindo palavrões
que, provavelmente, nem ele lembrava de onde tinha aprendido. A nota
falsificada tinha sido descoberta. Mas, apesar da braveza, ele não ia correr
muito longe; as pernas já não acompanhavam mais o tamanho da raiva. Os meninos
ficaram escondidos ali, no meio do tijolo e do sereno, até o velho desistir da
caçada. E voltaram para casa com a barriga cheia de goma — e o coração cheio de
medo, mas também de riso.
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