sábado, novembro 29, 2025

OS CHICLETES DA TRAVESSURA

 

            A esperteza de criança é rápida, mas a consciência chega sempre depois — e, quando chega, mostra que diversão sem maldade é diferente de enganar alguém. Travessura é travessura, mas honestidade é coisa que nem o tempo, nem as mudanças do dinheiro, podem desvalorizar.        

             Muitas histórias nascem da infância vivida em Santana do Ipanema — e quase todas têm aquele cheiro de rio, de barro quente e de imaginação sem freios. A criançada criava seu próprio mundo observando o mundo dos adultos: se os homens jogavam bola nos times Ipiranga e Ipanema, eles também viravam craques nas ilhas do Rio Ipanema; se os adultos nadavam e pescavam, eles imitavam nas braçadas tímidas entre um mergulho e outro; e até as carteiras de cigarro, quando vazias, eram recicladas em notas de “dinheiro”, com valores inventados para negociar sonhos de infância.

            Tudo era brincadeira — mas o mundo adulto, esse sim, vivia suas turbulências de verdade. A economia parecia uma gangorra. O dinheiro mudava de valor, mudava de nome e até de roupa. Primeiro era cruzeiro, depois era cruzeiro novo, depois voltava a ser cruzeiro e ninguém sabia até quando. Foi em meio a uma dessas mudanças que dois meninos, conhecidos na rua por serem “arteiros do primeiro grau”, resolveram transformar a criatividade em ousadia. Eles encontraram uma cédula antiga, já fora de uso, e, munidos de uma caneta meio falha, decidiram “atualizar” o dinheiro. Se o governo tinha mudado a moeda, por que eles não poderiam fazer o mesmo?

            — Pronto! Agora tá igualzinha! — disse um deles, com a convicção de quem achava que tinta de caneta era ferramenta oficial da Casa da Moeda.

            Com a nota “atualizada”, foram direto para a bodega de seu Maxwel. A bodega era quase um museu: pouca coisa para vender e muita história para contar. Seu Maxwel, já de idade avançada, mantinha o comércio mais como passatempo do que como negócio. Entre um cliente e outro, passava o tempo ajeitando o candeeiro, coçando a barba rala e lembrando dos velhos tempos. A noite estava escura e o candeeiro aceso tremia como se estivesse cansado também. Os meninos chegaram tentando parecer sérios, mas a ansiedade brilhava mais que o vidro da lamparina.

            — Seu Maxwel, dá uns chicletes aí... — pediu o mais ousado.

            Ele pegou a nota, olhou por cima dos óculos, virou de um lado, virou do outro… e como as vistas já não eram as mesmas, deu de ombros. Entregou o troco e um punhado de chicletes. Os moleques encheram os bolsos e também a boca. E aí… correram. Desceram a ladeira como quem foge de uma onça. A cada pulo, um dos meninos dizia que a carreira batia “com o pé na bunda”. Pularam pedra, pularam muro e se esconderam numa construção inacabada, rindo sem conseguir respirar — quase engasgando de tanto chiclete mascado de uma vez só.

            Poucos minutos depois, ouviram ao longe um grito:

            — SEUS FILHOS DE UMA ÉGUA!!!

            Era seu Maxwel, trôpego, furioso e cuspindo palavrões que, provavelmente, nem ele lembrava de onde tinha aprendido. A nota falsificada tinha sido descoberta. Mas, apesar da braveza, ele não ia correr muito longe; as pernas já não acompanhavam mais o tamanho da raiva. Os meninos ficaram escondidos ali, no meio do tijolo e do sereno, até o velho desistir da caçada. E voltaram para casa com a barriga cheia de goma — e o coração cheio de medo, mas também de riso.


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