No início de dezembro, quando o ano já começava a se despedir em passos lentos, Dona Penina abria o armário da sala e retirava o maço de folhas ainda mornas do mimeógrafo. Havia nelas um cheiro inconfundível de álcool, misturado à promessa de algo especial. Papai Noel surgia impresso em traços simples, rodeado por estrelinhas e palavras doces sobre o Natal. Cada folha era entregue como quem entrega uma missão silenciosa: dar cor ao próprio caminho.
As crianças, com as mochilas gastas e os lápis de cor bem
apontados, iniciavam a pintura com cuidado e esperança. Não era apenas um
desenho; era a capa do caderno de avaliações, o rosto visível de tudo o que
havia sido aprendido ao longo do ano. Dentro daquelas caixas de camisas
guardadas na escola repousavam histórias de esforço, erros, acertos, letras
ainda trêmulas que aos poucos ganhavam firmeza. Ao final do ano, tudo se
transformava em livro — um retrato do crescimento, uma memória encadernada da
infância. A educação, ali, ensinava mais que contas e palavras: ensinava a
construir sentido.
Enquanto isso, a cidade se vestia de festa. O centro de
Santana do Ipanema pulsava com sons e cores. Das lojas de tecidos escapavam
músicas natalinas, repetidas sem cansaço, anunciando que todos eram, de algum
modo, filhos do mesmo sonho. As mães, com suas bolsinhas apertadas de dinheiro,
iam e vinham carregando tecidos dobrados nos braços, levando junto a esperança
de roupas novas para a noite santa. Armarinhos fervilhavam, botões eram
forrados, linhas se cruzavam, e costureiras e alfaiates esticavam os dias até
tarde, costurando mais que roupas: costurando alegria.
Em casa, a família se unia na grande faxina de Natal. A
água retirada da cisterna corria pelo chão, lavando poeiras antigas e abrindo
espaço para o novo. O piso brilhava após a cera, refletindo o cuidado coletivo.
Cada gesto tinha o peso de um ritual, pois preparar a casa era também preparar
o coração. A árvore de Natal surgia como um altar de afetos. As mãos pequenas
penduravam bolinhas, as maiores ajeitavam imagens, e, por fim, a estrela era
colocada no alto — sinal de fé e direção. Ao lado, o presépio lembrava o
nascimento simples de Jesus, ensinando, em silêncio, que a grandeza pode morar
na humildade. A religião ali não era apenas doutrina; era encontro, esperança e
gratidão.
Com o fim das aulas, vinha a certeza da aprovação, a
alegria compartilhada com a família, o descanso merecido. O livro de memórias
escolares circulava entre olhares orgulhosos, confirmando que o aprendizado
tinha raízes profundas. Agora era tempo de festa, de férias, de Natal — e com
ele, de sonhos renovados.
Na véspera do dia 24, a cozinha tornava-se o coração da
casa. O fogão a carvão permanecia aceso, firme como um guardião, enquanto
panelas se multiplicavam. Bolos eram batidos à mão, doces descansavam na
geladeira, o pavê aguardava a ceia. Um peru era preparado com solenidade,
símbolo de celebração. Tudo era feito em nome da alegria, da partilha e do
nascimento de Cristo.
À noite, a família seguia para a igreja. A homilia de
Natal ecoava palavras antigas e sempre novas, a missa unia vozes e silêncios.
Depois, havia ainda tempo para as risadas no parque de Moacir, antes do retorno
para casa. A ceia encerrava o dia, mas não o encanto.
Antes de dormir, as crianças colocavam meias próximas à
árvore. Era um gesto simples, carregado de fé e imaginação. Ao amanhecer, os
olhos se abriam rápido, buscando com ansiedade o chão aos pés da cama. Ali
estavam os presentes — às vezes uma bola, um carrinho, uma boneca, uma
bicicleta — objetos modestos, mas gigantes em significado. E antes mesmo do
café, a rua se enchia de crianças exibindo seus tesouros, compartilhando risos
e comparações.
Assim era a infância em Santana do Ipanema: um tempo em
que educação, religião, família e celebrações se entrelaçavam para sustentar
sonhos. Cada dezembro ensinava que aprender é crescer, que crer é esperar, que
celebrar é agradecer e que sonhar é o que mantém o ser humano em movimento. E,
mesmo quando os anos passam, essas memórias continuam acesas, como uma estrela
no alto da árvore, iluminando o caminho de quem um dia foi criança.

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