quinta-feira, novembro 13, 2025

A FOGUEIRA DE SÃO JOÃO

 

            Os anos passavam, e parecia que certos momentos em Santana do Ipanema se recusavam a ir embora. Eram lembranças vivas, como brasas que nunca se apagam. A cidade inteira respirava tradição, e havia quem dissesse com firmeza:

— É preciso guardar dinheiro para as quatro festas do ano!

            E assim era. As costureiras já sabiam que, naqueles meses, o sono seria luxo. As máquinas de costura chiavam noite adentro, e o som dos pedais era quase música de trabalho. As mães, com a revista Manequim aberta sobre a mesa, escolhiam os modelos das roupas novas — vestidos rodados, camisas de gola firme, laços e fitas coloridas. Os armarinhos se enchiam de vida: botões, linhas, fitas e tecidos iam trocando de mãos, tecendo também os sonhos de cada família.

            Das quatro festas, nenhuma era mais esperada que a de São João. Desde o começo de junho, o cheiro de lenha e de milho verde já anunciava o que vinha. Os homens se reuniam para buscar madeira no mato e erguer as fogueiras na porta de casa, cada uma mais alta e bonita que a outra. As mulheres, animadas, iam à feira: voltavam empurrando carroças cheias de espigas de milho — era milho pra pamonha, pra canjica, pra bolo e pra assar na fogueira.

            Os fogueteiros da cidade — como Zuza e a família de Vicença — passavam dias preparando bombas, traques e chuvinhas. Sabiam o gosto que o povo tinha pelo barulho e pelo brilho. Moacir, o dono do parque, chegava com Seu caminhão cheio de brinquedos: a roda-gigante girava lenta, iluminando o céu de cores que pareciam estrelas caídas; o carrossel tocava sua música encantada; o barco-voador fazia os mais corajosos gritarem de alegria.

            E ninguém esquecia a “mulher que virava macaco”, atração esperada, que metia medo e arrancava gargalhadas das crianças.

            Na rua de São Pedro, ponto alto da cidade, ficava a casa de seu Pimpim — sapateiro conhecido e respeitado, homem de fala mansa e mãos de ouro. De sua calçada, ele via o vai e vem do povo, o brilho das fogueiras, o colorido das bandeirinhas e as crianças correndo com chuvinhas nas mãos, desenhando rastros de luz no escuro.

            A missa de São João reunia famílias inteiras. Depois, todos voltavam para acender suas fogueiras. Sentavam-se ao redor, contavam histórias, assavam milhos e riam alto. E quando o fogo baixava, começava a brincadeira de pular a fogueira — um segurando na mão do outro, com coragem e alegria.

Era nessa hora que muitos selavam laços eternos:

— São João disse, São Pedro confirmou, nós somos compadres em Nosso Senhor! — diziam, rindo e se abraçando.

            E assim nasciam compadrios que duravam a vida inteira.

 

            A noite terminava em cheiro de fumaça, risos espalhados e corações quentes. As estrelas, lá no alto, pareciam brilhar um pouco mais sobre Santana do Ipanema. E quem viveu aquilo nunca mais esqueceu — porque certas festas não terminam, apenas mudam de tempo.

Nenhum comentário:

A FOGUEIRA DE SÃO JOÃO

               Os anos passavam, e parecia que certos momentos em Santana do Ipanema se recusavam a ir embora. Eram lembranças vivas, como b...