sexta-feira, novembro 14, 2025

GADO, VIOLA E SONHO

 

            Santana do Ipanema, orgulhosa terra do feijão, sempre foi chamada de capital do sertão alagoano. Era uma cidade que pulsava forte no coração do sertão, com seu comércio ativo, suas ruas cheias e uma gente trabalhadora, firme como o chão de pedra que sustentava suas casas. Na década de 1970, enquanto o sertão se reinventava para enfrentar as dificuldades, Santana despontava como uma das cidades mais desenvolvidas da região.

            Ali, pequenos proprietários de gado bovino iam tocando a vida com coragem e esperança. Com o tempo, alguns santanenses começaram a ousar: buscaram gado holandês em outros Estados, atraídos pela promessa de leite farto e boa rentabilidade. Para corte, traziam o nelore, forte e adaptável. Aos poucos, o movimento da pecuária foi crescendo, e tornou-se necessário expor os animais, mostrar qualidade, negociar, aprender.

            Foi assim que surgiram em Santana as exposições de gado, eventos que agitavam o sertão e atraíam gente de longe — compradores, curiosos, comerciantes, agricultores, famílias inteiras querendo um dia de festa.

            As ruas próximas à exposição ficavam tomadas. Nos galpões e estandes, via-se de tudo:

— bovinos de pelo lustroso,

— ovelhas branquinhas,

— galinhas de raças variadas,

— e máquinas agrícolas novinhas, brilhando ao sol.

            Havia espaço para palestras, onde técnicos falavam sobre rações, cuidados sanitários, novas técnicas de criação. Era um tempo de aprender, negociar e celebrar. Durante os desfiles, os animais eram conduzidos com orgulho: touros imponentes, vacas de alta produção leiteira, novilhas promissoras. E, no último dia, a grande entrega dos troféus, que valorizava ainda mais o gado campeão e trazia bons negócios para seus proprietários.

            Entre toda aquela movimentação, havia um rosto que se destacava pela energia: Júlio César, um adolescente esperto, rápido, sempre com um sorriso nos olhos. Para ele, a exposição era o melhor período do ano — um mundo onde trabalho e diversão se misturavam.

            Júlio passava o dia inteiro no parque:

— dava banho nos animais,

— escovava e deixava o pelo brilhando com óleo,

— limpava o espaço,

— trocava a água e a ração,

— e ainda encontrava tempo para montar em um dos cavalos que também estavam expostos.

 

            Quando algum criador precisava de ajuda para conduzir um animal no desfile, era Júlio que chamavam. Ele tinha jeito, tinha calma nas mãos e firmeza nos pés. Além disso, aproveitava cada oportunidade para vender alguma coisa — um refrigerante, um saco de milho, uma corda — e juntar uns trocados.

            Mas, apesar de gostar de tudo isso, havia algo que Júlio amava de verdade:          as noites de violeiros.

            Quando o sol se escondia atrás da serra e a feira se iluminava, começava o que ele chamava de “hora bonita do dia”. Os violeiros subiam ao pequeno palco, afinavam suas violas e começavam a cantar desafios, repentes e histórias rimadas que faziam o povo rir, se emocionar, bater palmas e pedir bis.

            Júlio ficava ali, sentado na cerca de madeira, com as mãos ainda cheirando a curral, mas o coração leve. Prestava atenção em cada verso, cada improviso, tentando guardar as rimas na memória. Sonhava, quem sabe um dia, também subir no palco e cantar sua vida, sua cidade, suas histórias do sertão.

            E foi numa dessas noites — com o vento morno passando, as estrelas acesas no alto e a viola soando macia — que Júlio, pela primeira vez, improvisou baixinho uma rima, só para ele. Era simples, mas sincera:

“Na feira de Santana

Tudo tem seu valor

No gado, na vida dura

O sertão mostra o seu amor.”

            Ele sorriu. Talvez ninguém tivesse ouvido, mas ali, naquele instante, algo dentro dele cresceu.

            A exposição terminaria em poucos dias, os troféus seriam entregues, os animais voltariam para as fazendas e os visitantes seguiriam viagem. Mas Júlio carregaria para sempre aquelas noites de música, poeira e esperança — lembranças que moldariam sua vida muito mais do que ele imaginava.

            E Santana do Ipanema seguiria sendo isso: uma cidade que planta trabalho, cria sonhos e colhe histórias bonitas como a de Júlio César.

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