Santana do Ipanema, orgulhosa terra do feijão, sempre foi chamada de capital do sertão alagoano. Era uma cidade que pulsava forte no coração do sertão, com seu comércio ativo, suas ruas cheias e uma gente trabalhadora, firme como o chão de pedra que sustentava suas casas. Na década de 1970, enquanto o sertão se reinventava para enfrentar as dificuldades, Santana despontava como uma das cidades mais desenvolvidas da região.
Ali, pequenos proprietários de gado bovino iam tocando a
vida com coragem e esperança. Com o tempo, alguns santanenses começaram a
ousar: buscaram gado holandês em outros Estados, atraídos pela promessa de
leite farto e boa rentabilidade. Para corte, traziam o nelore, forte e
adaptável. Aos poucos, o movimento da pecuária foi crescendo, e tornou-se
necessário expor os animais, mostrar qualidade, negociar, aprender.
Foi assim que surgiram em Santana as exposições de gado,
eventos que agitavam o sertão e atraíam gente de longe — compradores, curiosos,
comerciantes, agricultores, famílias inteiras querendo um dia de festa.
As ruas próximas à exposição ficavam tomadas. Nos galpões
e estandes, via-se de tudo:
— bovinos de pelo
lustroso,
— ovelhas branquinhas,
— galinhas de raças
variadas,
— e máquinas agrícolas
novinhas, brilhando ao sol.
Havia espaço para palestras, onde técnicos falavam sobre
rações, cuidados sanitários, novas técnicas de criação. Era um tempo de
aprender, negociar e celebrar. Durante os desfiles, os animais eram conduzidos
com orgulho: touros imponentes, vacas de alta produção leiteira, novilhas
promissoras. E, no último dia, a grande entrega dos troféus, que valorizava
ainda mais o gado campeão e trazia bons negócios para seus proprietários.
Entre toda aquela movimentação, havia um rosto que se
destacava pela energia: Júlio César, um adolescente esperto, rápido, sempre com
um sorriso nos olhos. Para ele, a exposição era o melhor período do ano — um
mundo onde trabalho e diversão se misturavam.
Júlio passava o dia inteiro no parque:
— dava banho nos animais,
— escovava e deixava o
pelo brilhando com óleo,
— limpava o espaço,
— trocava a água e a
ração,
— e ainda encontrava
tempo para montar em um dos cavalos que também estavam expostos.
Quando algum criador precisava de ajuda para conduzir um
animal no desfile, era Júlio que chamavam. Ele tinha jeito, tinha calma nas
mãos e firmeza nos pés. Além disso, aproveitava cada oportunidade para vender
alguma coisa — um refrigerante, um saco de milho, uma corda — e juntar uns
trocados.
Mas, apesar de gostar de tudo isso, havia algo que Júlio
amava de verdade: as noites de
violeiros.
Quando o sol se escondia atrás da serra e a feira se
iluminava, começava o que ele chamava de “hora bonita do dia”. Os
violeiros subiam ao pequeno palco, afinavam suas violas e começavam a cantar
desafios, repentes e histórias rimadas que faziam o povo rir, se emocionar,
bater palmas e pedir bis.
Júlio ficava ali, sentado na cerca de madeira, com as
mãos ainda cheirando a curral, mas o coração leve. Prestava atenção em cada
verso, cada improviso, tentando guardar as rimas na memória. Sonhava, quem sabe
um dia, também subir no palco e cantar sua vida, sua cidade, suas histórias do
sertão.
E foi numa dessas noites — com o vento morno passando, as
estrelas acesas no alto e a viola soando macia — que Júlio, pela primeira vez,
improvisou baixinho uma rima, só para ele. Era simples, mas sincera:
“Na feira de Santana
Tudo tem seu valor
No gado, na vida dura
O sertão mostra o seu
amor.”
Ele sorriu. Talvez ninguém tivesse ouvido, mas ali,
naquele instante, algo dentro dele cresceu.
A exposição terminaria em poucos dias, os troféus seriam
entregues, os animais voltariam para as fazendas e os visitantes seguiriam
viagem. Mas Júlio carregaria para sempre aquelas noites de música, poeira e
esperança — lembranças que moldariam sua vida muito mais do que ele imaginava.
E Santana do Ipanema seguiria sendo isso: uma cidade que
planta trabalho, cria sonhos e colhe histórias bonitas como a de Júlio César.
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