Santana do Ipanema, cidade do sertão alagoano, nasceu do encontro entre fé e rio — batizada em homenagem a Santa Ana, avó de Jesus, e ao Rio Ipanema, aquele mesmo que corta a cidade com seu leito de pedras e areias grossas. Era julho, o mês mais esperado do ano, quando a cidade parecia despertar inteira, em festa e oração.
Durante nove dias, o povo se preparava para as novenas de
Senhora Santana, uma celebração que misturava o sagrado e o profano, a fé e a
alegria do povo sertanejo. De um lado, as rezas, os cânticos e as procissões
iluminando a igreja matriz; do outro, o riso solto, o som das bandas e o brilho
do parque que tomava conta das ruas ao redor da praça.
Julho também era tempo de reencontro. Os filhos e filhas
da terra, que estudavam na capital ou em outras cidades, voltavam para casa
trazendo novas roupas, novas palavras e a saudade antiga dos amigos. Os que um
dia partiram e os que sempre ficaram se misturavam nas calçadas, em conversas
demoradas e abraços cheios de lembrança. A cidade parecia duplicar — e, talvez,
até mais.
Naquele ano, porém, havia um encanto diferente no ar. O
Frei Damião estava em Santana. Seu nome corria de boca em boca, e o povo o
esperava como quem espera um milagre. As missas se enchiam cedo, e muitos
vinham de longe, a pé ou em lombo de animal, só para vê-lo de perto, para ouvir
suas palavras ou, quem sabe, tocar sua batina.
Em frente à matriz, o parque do seu Moacir brilhava como
um pequeno mundo encantado. Era uma profusão de luzes coloridas, música alta e
cheiro de pipoca e algodão-doce. Tinha roda-gigante, barco que balançava puxado
por corda, carros de bate-bate, carrossel e até uma tal de “xícara maluca” que
fazia o povo rodar até perder o rumo.
Mas o que mais atraía curiosos era a barraca misteriosa:
“Veja a mulher que vira macaco!”. Ninguém saía de lá indiferente — uns riam,
outros juravam ter visto o impossível.
Entre a multidão, caminhava Jurandir, um adolescente
vindo do sítio Gravatá, lá pras bandas das Areias, terra de Zezito de
Deoclécio. Tinha decidido vir sozinho aquele ano, enfrentando os quilômetros de
estrada empoeirada. Queria ver o Frei Damião, conhecer a festa e, quem sabe,
fazer amigos. Caminhava com os olhos cheios de brilho, o coração batendo forte
diante de tanta novidade.
As luzes da roda-gigante refletiam nos olhos dele, e o
som do zabumba misturava-se com o burburinho das vozes e o cheiro das comidas
das barracas. Era como se Santana inteira pulsasse em festa, viva, colorida,
acolhedora.
Quem viveu aquelas noites de julho jamais esqueceu. Havia
algo mágico naquele tempo — um sentimento de pertencimento, de alegria simples
e sincera, de fé misturada com o riso. Santana do Ipanema parecia maior do que
o mundo, e cada rosto conhecido era um pedaço da própria história.
Assim eram os festejos de julho: um tempo em que o sertão
se vestia de luz, e o coração do povo batia mais forte — entre o som do sino da
matriz e o ranger da roda-gigante do parque de seu Moacir.
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