A década de 1960 marcava o início da segunda metade do século XX. Em Santana do Ipanema, no sertão de Alagoas, o tempo parecia correr diferente — devagar, quente e empoeirado como o vento que soprava do Rio Ipanema quando o leito secava. A cidade crescia, sim, mas o crescimento era lento, como tudo que amadurece sob o sol forte.
Entre o Centro e o bairro São Pedro, havia uma rua
estreita, de barro e pedras, chamada oficialmente Rua Antônio Tavares, mas
conhecida por todos como Rua do Sebo. Ninguém sabia ao certo de onde vinha o
apelido, mas o nome pegou e ficou. Era uma rua viva, onde o tempo se misturava
às vozes das crianças e ao cheiro do café vindo das cozinhas. De um
lado, as casas altas, firmadas nos lajeados que desciam o declive do terreno;
do outro, construções mais baixas, que acompanhavam a irregularidade do chão.
Os quintais desciam em ladeiras, e quem queria alcançar os fundos precisava de
escadas ou de um corredor estreito que parecia sumir dentro da terra. Mais
adiante, a Rua de Zé Quirino, batizada em homenagem ao antigo dono das terras
que margeavam o Rio Ipanema, guardava lembranças de um tempo ainda mais antigo.
O rio, de leito largo e de areia grossa, já sofria com a destruição da mata
ciliar, mas teimava em conservar uns poucos pés de aveloz, como se resistisse,
orgulhoso, à secura do sertão.
Naqueles anos sessenta, a Rua do Sebo era um mundo
inteiro para quem nascia ali. As crianças eram muitas — e cresciam como o mato:
fortes, livres, inventivas. Brincavam o dia todo, até o sol começar a cair por
trás das serras. O chão era o campo de futebol; as pedras, os limites do jogo.
Jogavam bola de gude, esconde-esconde, avião, queimada. Corriam da Rua Nova até
a curva da Rua de Zé Quirino e voltavam, disputando quem chegava primeiro,
rindo, descalços, cobertos de poeira.
Os carrinhos eram feitos de madeira e latas de óleo,
engenhocas que chiavam no barro. O dinheiro das brincadeiras vinha dos maços de
cigarro vazios, recolhidos dos adultos que se reuniam nas calçadas ao
entardecer para jogar conversa fora.
Quando o calor apertava, iam ao Rio Ipanema. No tempo das
secas, se banhavam nas poças que ficavam entre as pedras ou jogavam bola nas
ilhas de areia formadas pela estiagem. Já nas cheias, ficavam de longe,
hipnotizados pelo espetáculo do rio cheio, correndo forte, levando troncos,
galhos e sonhos. O barulho da água era uma mistura de medo e encanto — o mesmo
sentimento que o sertanejo tem pela natureza que o molda.
A vida na Rua do Sebo era simples, mas intensa. Cada
canto, cada pedra, cada descida tinha uma história. Havia risadas, pequenas
brigas, primeiros amores e despedidas. E havia também o som das vozes chamando
das portas:
— Menino, entra, que já é hora! Caminhe.
O tempo passou, o barro virou calçamento, as casas foram
reformadas, as crianças cresceram. Mas quem viveu ali nunca esqueceu. Porque a
Rua do Sebo não era só uma rua — era um pedaço da alma de Santana do Ipanema.
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