segunda-feira, novembro 10, 2025

INFÂNCIAS DA RUA DO SEBO

 

            A década de 1960 marcava o início da segunda metade do século XX. Em Santana do Ipanema, no sertão de Alagoas, o tempo parecia correr diferente — devagar, quente e empoeirado como o vento que soprava do Rio Ipanema quando o leito secava. A cidade crescia, sim, mas o crescimento era lento, como tudo que amadurece sob o sol forte.

            Entre o Centro e o bairro São Pedro, havia uma rua estreita, de barro e pedras, chamada oficialmente Rua Antônio Tavares, mas conhecida por todos como Rua do Sebo. Ninguém sabia ao certo de onde vinha o apelido, mas o nome pegou e ficou. Era uma rua viva, onde o tempo se misturava às vozes das crianças e ao cheiro do café vindo das cozinhas. De um lado, as casas altas, firmadas nos lajeados que desciam o declive do terreno; do outro, construções mais baixas, que acompanhavam a irregularidade do chão. Os quintais desciam em ladeiras, e quem queria alcançar os fundos precisava de escadas ou de um corredor estreito que parecia sumir dentro da terra. Mais adiante, a Rua de Zé Quirino, batizada em homenagem ao antigo dono das terras que margeavam o Rio Ipanema, guardava lembranças de um tempo ainda mais antigo. O rio, de leito largo e de areia grossa, já sofria com a destruição da mata ciliar, mas teimava em conservar uns poucos pés de aveloz, como se resistisse, orgulhoso, à secura do sertão.

            Naqueles anos sessenta, a Rua do Sebo era um mundo inteiro para quem nascia ali. As crianças eram muitas — e cresciam como o mato: fortes, livres, inventivas. Brincavam o dia todo, até o sol começar a cair por trás das serras. O chão era o campo de futebol; as pedras, os limites do jogo. Jogavam bola de gude, esconde-esconde, avião, queimada. Corriam da Rua Nova até a curva da Rua de Zé Quirino e voltavam, disputando quem chegava primeiro, rindo, descalços, cobertos de poeira.

            Os carrinhos eram feitos de madeira e latas de óleo, engenhocas que chiavam no barro. O dinheiro das brincadeiras vinha dos maços de cigarro vazios, recolhidos dos adultos que se reuniam nas calçadas ao entardecer para jogar conversa fora.

            Quando o calor apertava, iam ao Rio Ipanema. No tempo das secas, se banhavam nas poças que ficavam entre as pedras ou jogavam bola nas ilhas de areia formadas pela estiagem. Já nas cheias, ficavam de longe, hipnotizados pelo espetáculo do rio cheio, correndo forte, levando troncos, galhos e sonhos. O barulho da água era uma mistura de medo e encanto — o mesmo sentimento que o sertanejo tem pela natureza que o molda.

            A vida na Rua do Sebo era simples, mas intensa. Cada canto, cada pedra, cada descida tinha uma história. Havia risadas, pequenas brigas, primeiros amores e despedidas. E havia também o som das vozes chamando das portas:

            — Menino, entra, que já é hora! Caminhe.

            O tempo passou, o barro virou calçamento, as casas foram reformadas, as crianças cresceram. Mas quem viveu ali nunca esqueceu. Porque a Rua do Sebo não era só uma rua — era um pedaço da alma de Santana do Ipanema.

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