Era um domingo quente, desses que o sol parece queima até os pensamentos. As ruas de Santana do Ipanema ferviam de gente. O vento soprava fraco. No centro da cidade, o Cine Alvorada brilhava como um palácio moderno — o orgulho da capital do sertão.
Os meninos chegavam antes da hora, formando fila para a
matinê. Alguns vinham de longe, a pé ou de bicicleta. As meninas vinham de
tranças, vestidos rodados e moedas apertadas nas mãos. No cartaz, pendurado na
parede do cinema, lia-se em letras grandes:
“Hoje: Tarzan e o Vale
Perdido”.
Ao lado do cinema, o cheirinho doce da sorveteria se
misturava ao de pipoca e laranja. Dona Francisca, com seu banquinho de madeira,
vendia balas coloridas, cigarros avulsos e, para os mais miúdos, laranjas
descascadas com capricho.
— “Quer uma, menino?” —
perguntava ela, o rosto marcado pelo sol.
— “Quero não, dona Chica.
Tô juntando pra ver o Tarzan!”
Lá dentro, o Cine Alvorada era outro mundo. As paredes
tinham pinturas de vaqueiros, bois e mandacarus, feitas por um artista local. A
escadaria alta levava à sala escura, onde o projetor zunia como um inseto
nervoso. A criançada ria, gritava, batia palma — e quando o herói aparecia na
tela, era como se o sertão inteiro ficasse em silêncio.
Mas nem todos conseguiam entrar. Era caro. Três cruzeiros
era dinheiro demais pra muita família. E foi aí que nasceu a ideia — a ideia do
“Cinema de Papel”.
Atrás do prédio do cinema, ficavam os restos dos rolos de
filme — tiras cortadas, pedaços queimados ou borrados, jogados fora pelo
projecionista. Um grupo de garotos — Zezinho, Tonho de Dioclécio, e a pequena
Amália — descobriram aquele tesouro escondido. As fitas brilhavam ao sol,
cheias de figuras minúsculas.
— “Olha aqui! É o
Tarzan!” — gritou Amália, segurando o pedacinho entre os dedos.
— “Pois é, vamo fazer
nosso cinema!” — disse Tonho, já cheio de ideias.
Em poucos dias, transformaram uma caixa de sapatos em
projetor. Fizeram um buraco na frente, botaram uma lâmpada transparente cheia
de água e uma lanterna atrás. Nas paredes da casa de Zezinho, nascia o “Cine
Sertão”. A entrada custava o mesmo que uma bala de hortelã — um papel de
cigarro vazio ou uma tampinha de refrigerante.
As crianças se acotovelavam pra ver as imagens se
mexendo, meio tremidas, meio mágicas. Quando a figura do herói aparecia — às
vezes de cabeça pra baixo — o público aplaudia. A gargalhada de Amelinha ecoava
alto.
Dona Chica, ao saber da novidade, foi ver. Ficou ali,
olhando as sombras dançando na parede, e disse:
— “Oxente... é mais bonito
que o de lá, viu?”
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