A fé no sertão sempre teve o brilho de uma lamparina acesa no silêncio da noite: pequena, mas capaz de iluminar longe. Em Santana do Ipanema, nos anos de 1970, essa luz era ainda mais forte. O povo santanense sabia que, em meio ao calor, à seca e às durezas da vida, era na devoção que se encontrava alívio, rumo e coragem. A cidade cresceu assim: sustentada por mãos calejadas e corações que batiam no compasso da esperança.
No ponto mais alto do centro, a Matriz de Senhora Santana
vigiava tudo. Da porta principal, via-se o movimento da feira, o sobe e desce
das ladeiras, as casas alinhadas como contas de um terço. Mas quem subia até o
relógio da torre via ainda mais: enxergava o horizonte larguíssimo do sertão,
os cochos de palma, o rio Ipanema serpenteando tímido, as serras emoldurando a
vida. Aquele alto era quase um altar, e quem olhava lá de cima sentia que Deus
olhava de volta.
O pároco, Padre Cirilo, era figura conhecida. De estatura
mediana, o brilho da careca chamando a atenção até dos meninos brincalhões, a
batina sempre um pouco amarrotada, e a barriga que denunciava os almoços
generosos das beatas. Carismático e firme, era respeitado por todos. Sabia
ouvir, aconselhar, corrigir — e sabia também acolher. Sua casa era sempre
arrumada pelas beatas diligentes, que cuidavam de cada detalhe como quem
prepara o lar para receber o próprio Cristo.
E foi justamente ali, naquela residência simples e
sagrada, que tantas vezes ficou hospedado um dos homens mais esperados pelo
povo nordestino: Frei Damião de Bozzano. Quando se anunciava que ele chegaria,
a notícia corria mais rápido que vento de trovoada. A cidade mudava de ritmo.
As famílias se preparavam como para uma festa de santo. As mães ajeitavam as
roupas das crianças, os homens paravam o serviço mais cedo, e até quem pouco ia
à igreja sentia o puxão da fé.
No dia da chegada, a rua do padre Cirilo não comportava
tanta gente. A multidão se esparramava pela calçada, pela praça, pelas portas
das casas vizinhas. Muitos queriam apenas olhar de longe. Outros desejavam
tocar a mão do frei. Havia quem esperasse por uma cura, por um conselho, por um
milagre. As beatas organizavam senhas para garantir que todos pudessem entrar,
ao menos por alguns minutos, e receber a bênção tão esperada.
As crianças da rua do Sebo corriam pela praça, brincando
entre si, mas sempre com um olho voltado para a igreja. Sabiam que, quando Frei
Damião aparecesse, a brincadeira terminaria, porque até menino arteiro
respeitava aquele momento. As mães seguravam firme seus filhos pelos braços,
algumas com lágrimas nos olhos, pedindo ajuda para problemas que só o coração
de mãe entende: a criança que não aprendia direito na escola, o filho com
doença que médico nenhum explicava, o pequeno que não se dava bem com os
colegas. Para cada um, o frei oferecia uma oração, uma palavra curta, um olhar
profundo — e isso bastava.
Na igreja, o confessionário se enchia como nunca. A fila
parecia não ter fim, dobrando corredores, ocupando bancos, chegando quase à
porta da matriz. Frei Damião ouvia cada história com paciência franciscana.
Muitos saíam dali com o rosto lavado de lágrimas, mas com o peito limpo, como
se uma pedra tivesse sido removida de dentro.
A presença dele irradiava sobre toda a cidade. O comércio
fervilhava, gente da região inteira chegava de pau-de-arara, de bicicleta, de
cavalo. Barracas eram montadas na praça. O cheiro de bolo de milho, tapioca,
café forte e suor de romeiro se misturava no ar quente. Cada pessoa trazia
consigo um pedido, uma promessa, um agradecimento.
Mas, no fim, o maior presente não era a cura que alguns
diziam ter recebido, nem o conselho especial, nem a simples oportunidade de ver
o frei de perto. O que realmente ficava era algo maior: a lembrança viva da fé
sertaneja. A certeza de que o povo do sertão, apesar das secas e das dores,
tinha algo inquebrável dentro de si. Uma força que vinha de Deus, dos santos,
da devoção pura e simples — aquela que nasce no coração e se espalha como brasa
em palha seca.
Quando Frei Damião partia, a cidade voltava ao normal,
mas algo permanecia aceso. As crianças lembravam das bênçãos, os pais guardavam
no peito as palavras ditas, e a Matriz de Senhora Santana continuava firme no
alto, olhando por todos, testemunha silenciosa da fé que nunca se apagou.
Porque no sertão, mais
que a terra rachada, mais que o sol ardente, é a fé que sustenta o povo. E
Santana do Ipanema, naquele tempo e para sempre, foi um chão onde esse milagre
floresceu.
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